terça-feira, 14 de setembro de 2021

É fogo colocar macaco em caçada de patos...

 

Mestre Nilo, minha Santa Vó Maria Roberta, que em paz descanse ao lado do Senhor Supremo, nos meus tempos de guri, quando a gente parava de molecar; contava uma velha história de dois compadres que, ao invés de terçar facão, se peleavam contando suas mentiras das mais inverídicas possíveis, com a maior seriedade que o causo “a requer”. 

As mentiras eram sempre presenciadas pelo filho de um dos pais, que nada mais era que afilhado do outro. Após as lorotas contadas, as despedidas dos compadres, com os costumeiros “rum” e pigarros de gargantas dos ditos cujos. o guri sempre dizia ao seu pai: 

- Oh, pai, eu não gosto de mentiras. 

O pai, com um pigarro mais forte, repreendia o guri... 

Certo dia, os dois compadres se encontram e um deles, se adiantando, passou a narrar uma das suas caçadas de patos pousados em uma grande árvore, e, pelo que me parece, deveria ser no tal do Ipê dos Colhudos. Só podia ser! Disse o compadre: 

- Compadre, eu fiz uma caçada de patos pousados num ipê enorme, com minha espingarda boca de sino carregada de chumbinhos, carga tão forte que, para dar o tiro, tive que apoiar a arma na raiz do ipê. Só a parte que aflorava da terra era mais alta do que eu. Quando puxei o gatilho, o estrondo foi tão alto que só não fiquei surdo por haver antes tapado os ouvidos com cera virgem de abelha. Matei tanto pato que encheu duas carretas de boi, cada uma puxada por quatro juntas de boi e quase não conseguiram sair do matão. 

- Compadre, eu também fiz uma matança de patos, com um tiro só matei tantos patos que deu a sua quantidade e mais a metade dos seus; olha os patos estavam pousados numa grande lagoa... 

- Como assim, compadre, desembucha! 

- Eu cheguei, vi aquele mundaréu de patos, antes de carregar minha boca de sino, entortei com uma pedra curvando o cano da tremendona, amarrei a colhuda no tronco de uma timbaúva, tão grossa igual ao seu ipê colhudo, com cera nos ouvidos, cauteloso igualzinho ao compadre. Nóis não é besta de perder os escutador. De longe, dois laços de quinze braças, argola no gatilho, afastei trinta braçadas, protegi atrás de uma das raízes da timbaúva que aflorava à distância, raiz igualzinha a do ipê colhudo do compadre; com a mão na argola do laço fiz o disparo... que zoadeira, meu compadre, a chubraiada saiu da espingarda girando em espiral sobre a lagoa e num ficou um pato vivente! 

Nisso, o filho intervém e grita: 

- Meu padrinho, ele ainda matou um macaco que estava no meio da lagoa! 

- Compadre, me explica essa de macaco que não gosta de água la no meio da lagoa? 

- É verdade, disse o pai − agora todo orgulhoso do seu guri − Compadre, é que existia uma cerca de pau a pique que ia da terra até o meio da lagoa. Meu compadre, morreu tanto pato que ao afundarem na lagoa essa transbordou, inundando a coxilha na sua jusante, formou uma lagoa tão grande, hoje conhecida como Lagoa dos Patos; onde todos os anos uma nuvem de marrecões, nos seus voos de imigrações, fazem sua pousada para se acasalarem. Se não faz crença, meu compadre, pergunte ao meu compadre Casimiro, um caçador de marrecão igual a nós, caçador de patos. 

Despedem-se os compadres, dessa vez cada um pigarreando mais forte e alto. Já afastados o pai se vira para o filho e disse-lhe: 

- Meu filho, você nunca mais meta macaco em meio a caçada de patos! Me deu um trabalho danado para construir aquela cerca até o meio daquela lagoa. 

Narrado por Ly Adorno de Carvalho

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