Naquele
arraial do Pau Fincado, havia um sujeitinho danado pra roubar coisas. Às vezes
galinha, às vezes cavalo, às vezes coisas miúdas. A verdade é que o dito cujo
era chegado em surrupiar bens alheios.
Todo mundo daquele
arraial já estava até acostumado com os tais furtos. E a coisa chegou a tal
ponto de constância que bastava alguém da por falta de qualquer objeto e lá
vinha o comentário: “Ah, foi o Justino Larápio”.
E foi numa
dessas que sumiu o relógio do cumpadi João, um cidadão por demais conhecido por
aquelas bandas do Pau Fincado. Foi a conta de sumir o relógio dele para o dito
cujo correr pra delegacia mais próxima e dar parte do fato.
O delegado
pediu que o sêo João arranjasse três testemunhas para lavrar o ocorrido e então
prender o tal ladrãozinho popular. Arranjar três testemunhas de que o tal
Justino havia surrupiado qualquer coisa era fácil, dado a popularidade do dito
cujo pra esses afazeres fora da lei.
A cena que
conto agora transcorreu assim, sem tirar nem pôr. Intimado o Justino, eis ali,
ladrão, vítima e três testemunhas:
Delegado (para a primeira testemunha):
– O senhor
viu o Justino roubar o relógio do sêo João, aqui presente?
Testemunha 1:
– Dotô. Vê,
ansim com os óio, eu num posso dizê que vi. Mas sei que ele é ladrão mêmo. O
que ele vê na frente dele, ele passa a mão na hora. Pode prendê ele dotô!
Delegado
(para a segunda testemunha):
– E o senhor?
Viu o Justino roubar o relógio do sêo João?
Testemunha 2:
– Óia, dotô...
num vô falá que vi ele fazê isso, mas todo mundo no arraiá sabe que ele róba
mêmo, uai. Pode prender sem susto. Eu garanto que foi ele que robô esse
relógio.
Delegado
(para a última testemunha):
– E o senhor? Pode me dizer se viu o Justino roubar o relógio do sêo João?
Testemunha 3:
– Dotô, ponho
a mão no fogo si num foi ele. Prende logo esse sem vergonha, ladrão duma figa.
Foi ele mêmo!
Delegado:
– Mas o
senhor não viu ele roubar? O senhor sabe que foi ele, mas não viu o fato em si?
Testemunha 3:
– Num carece
de vê, dotô! Todo mundo sabe que ele róba. Pode preguntá pra cidade intêra. Foi
ele. Prende logo esse peste!
Delegado
(olhando firme para o Justino):
– Olha aqui,
Justino. Eu também tenho certeza de que foi você que roubou o relógio do sêo
João. Mas, como não temos provas cabíveis, palpáveis e congruentes... Você
está, por mim, absolvido.
Justino
(espantado, arregalando os olhos para o delegado):
– O que, dotô ? O que que o sinhô me
diz? Eu tô absorvido?
Delegado:
– Está
absolvido.
Justino:
– Qué dizê
intão que eu tenho que devorvê o relógio?
Por Rolando Boldrin
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