quarta-feira, 24 de agosto de 2022

Terra à Vista!*

 Eduardo Bueno 

A Visão da Proa

Foi como uma miragem em um deserto de águas salgadas. Após 44 dias entre o mar e o céu, o horizonte deixou de ser uma linha longínqua na qual o azul-celeste imaculado encontrava o azul revolto de um oceano sem fim. 

No último ponto que os olhos podiam vislumbrar, erguia-se, agora, a silhueta verdejante de uma pequena serra, pontilhada pelo cume de um monte “mui alto e redondo”. Em breve, o aroma das flores e dos frutos não precisaria mais ser imaginado: seria sentido. Os homens acotovelaram-se na amurada das naus, com os olhos postos de encontro ao céu crespuscular. A terra, enfim, estava à vista, como uma visão do paraíso. Parecia miragem – mas era real. 

Com as cores do entardecer tingindo a cena de dourado, os 12 navios da frota comandada por Pedro Álvares Cabral prosseguiram seu avanço. Era 22 de abril de 1500, e a maior esquadra já enviada para singrar o Atlântico encontrava-se a cerca de 60 quilômetros de uma costa desconhecida. Seria ilha ou terra firme? Provavelmente ilha, julgaram os marujos mais experientes – uma das tantas, reais ou lendárias, que povoavam as imensidões do chamado de Mar Tenebroso. A frota avançou cautelosamente a uma média de 5 quilômetros por hora e lançou âncoras. Elas mergulharam 34 metros antes de se acomodarem nas claras areias do fundo. Estava descoberto o Brasil. Um novo mundo amanhecia. 

A Visão da Praia: 

Foi como uma miragem bailando sobre as águas salgadas. Após uma sequência infindável de dias iguais, o horizonte já não era uma linha longínqua e vazia. No último ponto que os olhos podiam vislumbrar, surgiam, agora, estranhas silhuetas. Pareciam montanhas flutuantes singrando o oceano. Os homens acotovelaram-se à beira-mar, com os olhos postos de encontro ao céu matinal para vislumbrar a mais espantosa novidade de suas vidas. Que tipo de canoas seriam aquelas, que pareciam ter asas, tão brancas e tão amplas, e que avançavam junto com o sol? Trariam boas novas ou más notícias? Vinham em paz ou prontas para a guerra? Parecia miragem, mas era real. 

Com as cores do amanhecer tingindo a cena de dourado, os 6 ou 7 homens que estavam na praia juntaram seus arcos e flechas e se prepararam para um encontro com os desconhecidos. De onde viriam os recém-chegados? De uma ilha ou de alguma terra além-mar? Vinham provavelmente da Terra Sem Males, julgaram os mais experientes: o lugar onde todos eram felizes e ninguém morria, e que ficava para lá da imensidão das águas salgadas. Os nativos avançaram cautelosamente e, após alguma hesitação, depuseram as lanças. Elas acomodaram-se nas claras areias da praia. Uma nova era estava se iniciando em Pindorama, a Terra das Palmeiras. Um velho mundo estava prestes a desaparecer. 

O Primeiro Encontro 

Os homens que estavam nos navios eram portugueses. Um mês e meio antes, tinham partido de Lisboa em direção à longínqua Índia. Ainda não é possível afirmar se chegaram àquela praia ensolarada por vontade própria ou por um desvio de rota, mas o mais provável é que o desembarque tenha sido intencional. Os portugueses estavam vestidos, usavam barbas, tinham armas de fogo e ferro e já haviam encontrado e conquistado vários povos e várias terras. Seu objetivo era conquistar a Índia, mas eles aproveitaram para tomar posse daquele novo território e incluí-lo em seu vasto império ultramarino. Evidentemente, o fizeram sem consultar os homens que estavam na praia. 

Os homens que estavam na praia eram Tupiniquins. Uns dois mil anos antes, tinham partido dos vales dos rios Madeira e Xingu (afluentes da margem direita do Amazonas), em busca de uma longínqua terra Sem Males. Não a acharam, mas acharam Pindorama, a Terra das Palmeiras. Os Tupiniquim estavam nus, raspavam os pelos e usavam armas de pau e pedra. Com elas, haviam conquistado aquelas praias ensolaradas, expulsando para o sertão os antigos senhores da costa, os Tapuias. Na manhã de 23 de abril de 1500, a visão dos homens que estavam na praia e a visão dos homens que estavam na proa começaram a se fundir. Dali iria nascer um novo mundo, chamado Brasil. 

* Os portugueses eram europeus e cristãos. A vela de seus navios era adornada pela cruz da Ordem de Cristo. Eles acreditavam na existência de um paraíso na Terra e, naquela manhã, alguns deles devem ter acreditado que tinham chegado lá. 

Do livro:

 “Brasil: Terra à vista!

A Aventura Ilustrada do Descobrimento”,

de Eduardo Bueno. 

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