A lição barbeiro
Eu tinha 15 ou 16 anos. Morava na Rua
Luís de Camões, a rua da Igreja Santo Antônio, e cortava os cabelos numa
barbearia que ficava na Avenida Bento Gonçalves, quase esquina da Barão do
Amazonas, em Porto Alegre.
O barbeiro era um sujeito falante,
cabelos ondulados de vate português. Ele sempre puxava conversa e falava aquilo
que o cliente gostaria de ouvir. Entendia de tudo um pouco. Às vezes, eu não
estava a fim de papo, ele respeitava o meu silêncio, cortava com capricho, dava
um sorriso e se despedia.
Uma manhã, não sei se cortava os
cabelos ou esperava a minha vez... Não me lembro... Um garoto de uns dez anos
assomou à porta vendendo pastéis. Não disse nada e já ia continuar sua
caminhada, quando o barbeiro o chamou:
- Menino, deixa eu ver os teus
pastéis.
O garoto abriu o seu cesto coberto por
uma toalha de mesa, mostrando a sua mercadoria. O barbeiro pegou um pastel,
provou, pagou, tecendo um comentário:
- Menino, que pastel
gostoso! Tu vais vender muito hoje, está bom demais!
Então, o pequeno vendedor apanhou um
cruzeiro, o preço do pastel, e saiu todo sorridente e confiante pela rua.
O barbeiro comentou com os que estavam
no recinto:
- Senti que ele estava
muito acanhado, agora ele vai levantar a cabeça e anunciar melhor a sua
mercadoria.
Aprendi, de uma forma simples, uma
pequena lição. Nós temos que ter sensibilidade de entender as pessoas naquilo que
elas não dizem, mas demonstram estar sentindo, e tentar fazer, com um pequeno
gesto, que elas olhem a vida de outra forma, mais otimista, como vender melhor
seus pastéis.
A lição do gerente
O Túlio era um jovem gerente de
cinema. Morava na Avenida Bento Gonçalves e administrava o Cinema Pirajá, onde
hoje é uma loja de tintas, que também ficava na mesma avenida, quase esquina da
Rua Teixeira de Freitas, no Partenon. Ele se relacionava com todo mundo, tinha
uma simpatia contagiante. Era um boa praça, como se dizia na época.
Nas matinês
de domingo, ele deixava eu pegar uma lanterna e cuidar da “moral e dos bons
costumes” dentro do cinema.
Foi no Pirajá que assisti a um dos
musicais mais impactantes da minha vida: “Amor, Sublime Amor (West Side History).
Ninguém do bairro gostou do filme, o pessoal comentava: “Que porra de filme! Quando
os caras vão falar, começam a cantar!”.
Mas, voltemos à lição que o Túlio nos
deu.
Uma noite, num sábado, na esquina do
pecado, no Bar da Dona Dija, quando a patota estava toda reunida sem nada para
fazer, apareceu o Túlio. O César, um garoto da turma, filho de uma cabeleireira
que tinha seu salão na Bento, quase defronte ao Pirajá, de supetão disse ao
Túlio:
- Túlio, me consegues um
convite?
- Cara, quando te encontrares
comigo pergunta: “Túlio como vais? E a família está bem? Só depois pede um
convite. É claro que vou te dar um, mas aprende a lição.”
Eu, que estava ao lado vendo tudo,
tomei a lição como se fosse para mim. Devemos interagir com as pessoas antes de
fazer qualquer solicitação.
Depois de muitos anos, morando na Zona Sul, eu tinha em casa uma piscina. Toda a garotada do bairro, uns 20 meninos e meninas,
usavam-na para brincar e tomar banho, aos sábados e domingos.
Numa sexta-feira, duas adolescentes
gêmeas me perguntam:
- Tio, tem piscina amanhã?
Digo a elas, lembrando da lição do
Túlio:
- Meninas, vocês passam por
mim toda a semana e nem me olham! Cumprimentem-me, eu existo, eu não sou só o tiozinho da piscina, sou um ser humano.
Tudo bem, podem tomar banho amanhã.
No dia seguinte, tomaram banho e
continuaram a não olhar pra minha cara...
Umas pessoas aprendem; outras, não.
A lição do moderado
No início dos anos 70, tive um
colega, homem calmo e ponderado, com o qual gostava de discutir temas
políticos. Homem cerebral nas suas colocações, tinha um temperamento
conciliador e suas palavras, por mais simples que fossem, sempre transmitiam
pequenos ensinamentos filosóficos e realistas.
Em nossos debates, coisa que fazíamos
sempre que conversávamos sobre qualquer assunto, eu sempre colocava minhas
ideias socialistas como a salvação do homem e do mundo. Mas, um dia, depois de ouvir as minhas argumentações
inovadoras, ele me disse uma frase que a tomei como um choque para voltar à
realidade do mundo: “Meu amigo, tu tens soluções para fazer o mundo melhor, mas
eu e a Entidade para qual faço trabalho voluntário, todas as semanas
arrecadamos alimentos para saciar a fome dos mais humildes. E tu o que fazes
por eles?
Não tive resposta. Calei-me. Percebi
que as utopias são sonhos. A fome e o desamparo dos humildes são diários e
verdadeiros.
Hoje, faço mensalmente tudo o que ele
já fazia e defendia naquela época, pois eu aprendi a lição de um homem sem
posição política, mas com uma visão real dos problemas sociais. Temos, sim, que
ter utopias e sonhos na cabeça, e o realismo para fazer as coisas do coração, ajudando, no que for possível, aos mais necessitados
Por Nilo da Silva Moraes
Belas histórias, as vezes um pequeno gesto, pode mudar tudo
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