terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Matuto no cinema



E o matuto, rapaz... Analfabeto de pai e mãe... e parteira. E sai do sertão pra capital pra assistir a um filme estrangeiro legendado quando ele volta pro sertão, mas ele num conta o filme todinho?

“Má, rapai, eu fui lá na capitá, rapai, eu assisti um fiume autamente internacioná. Pense num filme internacioná! e tem uma coisa: um filme mafioso! Um fime mafioso! Ói tinha dois atista: tinha o atista que sofria e o atista que sauvava.
Meu cumpadi, o atista qui sufria: pense num cabra corajoso! Rapai, o caba num tinha medo de nada não, rapai! Rapaz, o bandido! o bandido pirigoso que só buchada azeda! invocado que só um fiscal de gafiera, séro que nem um porco mijano! tinha o dedo da grussura de um cabo de foimão!
Amarraro o atista com imbira. E tem uma coisa: imbira dos Estado Zunido, num tem quem se solte não, rapai! Amarraro o atista com imbira, butaro o caba sentado a força numa cadera, ai chego o bandido. Buto o dedo na cara do atista, e disse:
– Num sei que lá, num sei que lá, num sei que lá, num sei que lá, num sei o que lá!
Tá pensano que atista teve medo, rapai? O atista, amarrado com imbira, rapai, teve que ouvi tudinho, mas muito do tranquili, olhô pa cara do bandido assim e disse:
– Num sei que lá, num sei que lá, num sei que lá o quê, mermão?...
Mai rapai... esse bandido inchô feito um cururu no sal, num sabe? Isfregô o dedo na cara dele assim e disse:
– Num sei que lá, num sei que lá, num sei que lá, num sei que lá, seu fila da puta!...
E tu tás pensano que o atista teve medo? O xente, amarrado com imbira, do jeito que tava, ficô muito do tranquili, olhô assim pro bandido e disse:
– Num sei que lá, num sei que lá, num sei que lá o carai!
Mai meu cumpadi, esse bandido pegô um ar, pense numa pegada de ar! Mas raái, foi uma pegada de ar tão mudida do poico! Aí, puxô uma chibata feita de virola de pneu de caminhão, num sabe, mais cumprida de que uma língua de manicure, deu-lhe uma chibatada tão aparetada a um coice de besta parida, que ficô iscrito assim da taba dos quexo pa porta da orelha do individuo: FIRESTONE!...
Eu sei que nessa hora, no mêi dos bandido, tinha um que era do time do atista, rapai. Do time da gente, num sabe? E ele tava camuflado feito rapariga de pastô. Num tinha quem desconfiasse, rapai! Camuflado lá pur dento, ele tinha um relóge puxado pá telefone. Aí ele foi prum pé de parede cum relógio dele, aí, passô o bizu pa puliça que tava lá em baixo. Ele pegô o relóge e disse:
– Num sei que lá, num sei que lá, num sei que lá, num sei que lá, num sei que lá...
Contô tudinho à puliça, a puliça lá imbaxo nos carro uvindo tudo pelos rádio! E a puliça dos estado zunido, num se veste de puliça não! Se veste de adevogado! Aí, a puliça dento dos carro só fez pegá o rádio e chamá os carro tudim dos estado zunido, rapai:
– Acunha, acunha, acunha, acunha!.. E todos os carro acunha, que o negócio é serio!... Acunha, acunha, acunha...
Aí os carro acunharo, os carro acunharo, acunharo. Ói, era mais carro em cima do prédio, de que romêro in cima de Pade Ciço.
O préidio, rapai, era um préidio grande! Tinha uns dois ou 3 três andá! Ô era um colégio de frera, ô era uma prefeitura. Eu sei que num tinha quem entrasse. Um préidio todo de vrido, infeitado feito pintiadera de rapariga, num sabe? Aí, a puliça tome corda, tome corda, tome corda, tome corda. Quando a gente pensava que era a puliça que ia subi por fora do préidio pra salvá o atista, aí veio o momento mais arrepiadô do filme, rapai!
Foi quando chegô o atista principau, o atista salvadô! E ele vêi num avião daquele...  daquele avião que tem uma penera in cima, num sabe? Aí o avião vei e o avião num vuava não: era parado!  O avião ficô parado incima da prefeitura!
Pela capota de vrido a gente já via o atista, rapai: o atista forte com os peitão, dois cinturão de bala, uma ispingarda da grussura dum cano de esgoto, rapai.  Aí o atista fico assim na porta do avião Ó o nome do atista: Arnô Saijinegue! Agora, num é esses arnô saijinegue do sertão, que dá no cu de todo mundo não! é Arnô Saijinegue importado, ou é da Chequilováquia, ou é da Bolívia, tá intendeno?
Eu sei que o Arnô Saijinegue ficô na porta do avião, aí o chofé do avião olhô pra ele e disse:
– Acunhe! Pode pulá!
 Ai ele pulô lá de cima. Pulô lá de cima, bateu no telhado, furô a laje, bateu memo no lugá onde o atista tava preso cum os bandido. Pegô os bandido tudo disprevinido, comendo cuzcuz com leite, rapai!
Eu sei que nessa hora, o atista pegô a ispingarda, disse:
– Num sei que lá, num sei que lá, num sei que lá, num sei que lá...
Ói, ele matô tudinho!... Aí, apariceu mais bandido, Vixe!... E foi briga de sê midida a metro! Ele deu um tabefe no porta-orela dum caba lá chamado Mané Capado, que ele borbuletô uns dois palmo e caiu no chão feito uma jaca mole.
 Aí teve um bandido, rapaiz, que homilhô o atista com uma dedada aonde as costa muda de nome. Meu cumpadi, esse homi ofendido na região glútea, virô uma fera e entre a rapideiz da dedada e a imediatidade do êpa, deu-lhe um berro nas oiça do sujeito, que iscurregô na froxura e caiu sentado.
Nessa hora, meu cumpadi, o atista partiu pra cima dele com um gênio de cento e cinquenta siri dento de uma lata de querosene, deu-le um sopapo no serrote dos dente, que chuveu canino, molar e incisivo por três dia no sítio Boca Funda.
Aí, nessa hora, meu cumpadi, o bandido principal saiu num derrapo de velocidade! Aí, o atista deu-lhe um chuvaréu de bala, meu cumpadi, que a gente teve que se abaxá dento do cinema! Aquelas letrinha que passa lá no filme... ele derrubô umas cento e quarenta! E eu ainda peguei umas quatro, Ta qui pra você vê!...


Texto de Jessier Quirino


O poeta paraibano Jessier Quirino ainda não virou cantor, mas está lançando dois CDs. Em Paisagem do Interior I e II ele declama os principais poemas publicados nos livros Paisagem do Interior, Agruras da Lata D`água e Prosa Morena. Seus assuntos prediletos vão desde a poesia matuta, recheada de humor e causos, a neologismos, sarcasmo, amor e ódio. Tem também cocos, cantorias, piadas e textos de nordestinidade apurada.

Jessier, nasceu em Campina Grande, mas foi adotado por Itabaiana, onde vive. O artista vem chamando a atenção do público e da crítica por conta de uma série de fatores, como a forte presença de palco, a boa memória e o vasto número de histórias. Arquiteto por profissão, poeta por vocação e matuto por convicção, ele ocupa agora uma lacuna deixada pelos grandes menestréis do pensamento popular nordestino.


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