Excellente Escravo - Vende-se um creollo de 22 annos,
sem vício e
muito fiel, humilde e bonita figura.
Por José Antonio
Merenda
Em meados do século XIX, eram comuns
em nossa imprensa anúncios, como estes, do jornal A Província de São Paulo:
"Negrinha: Compra-se uma de 12 annos para fora, informa-se com Francisco
Guedes, Rua da Imperatriz", publicado em 25 de janeiro de 1877 ou
"Excellente Escravo – Vende-se um creollo de 22 annos, sem vício e muito
fiel: bom e aceado cozinheiro, copeiro, bolieiro. Faz todo serviço de arranjo
de casa com presteza, e é o melhor trabalhador da raça que se pode desejar:
humilde e bonita figura. Para tratar: à Ladeira de São Francisco n.
84"(sic), publicado em 20 de dezembro de 1878. Como se estivem
comercializando um animal, não um ser humano.
Durante mais de três séculos, durante
a diáspora negra da África Central, os negros foram arrancados da mãe África e
eram transportados para o Brasil amontoados em porões fétidos de navios, como
se fossem animais, muitos nem chegavam ao destino, morriam e eram jogados ao
mar.
Nos engenhos, nas lavouras de
cana-de-açúcar; nas minas, durante o ciclo do ouro ou nas fazendas, nos
cafezais, foram a mão-de-obra, como burros-de-carga, trabalhando de sol a sol,
açoitados, dormindo em senzalas, que mais pareciam um estábulo. Poucos tinham o
privilégio de não serem tratados como animais, os escravos domésticos, que
ficavam na casa-grande, rodeando as sinhás e sinhás-moças. As amas-de-leite ou
mães-pretas, as que contavam histórias para os nhonhôs e sinhazinhas, tinham um
carinho por parte das crianças, pois os seus corações inocentes diziam que elas
eram gente, ainda não estavam corroídos pela insensatez, sadismo e o
etnocentrismo. Desta forma muitas palavras africanas foram assimiladas pelos
pinguinhos de gente e que fazem parte de nosso vocabulário. Os todos poderosos
senhores de escravos, que além do erotismo, se deitavam com as negras para que
estas parissem, como se fossem vacas, crias que seriam outros escravos, desta
vez escravos mestiços.
Com a Lei Áurea assinada em 13 de
maio de 1888, crepúsculo do século XIX, pela princesa-regente do Império
Brasileiro Izabel de Orleans e Bragança, tendo como um dos ícones o jornalista
José do Patrocínio, filho de um padre com uma escrava, os negros estavam livres.
Livres?! Em nossa opinião estavam
começando muitos problemas, que não foram solucionados até hoje. Os negros, que
eram tratados como animais viraram gente de uma hora para outra. Ir para onde?
Como arranjar emprego, numa terra que até pouco tempo era chique possuir
escravos! Até os próprios negros quando alforriados compravam escravos. Os
padres também tinham os seus escravos, e em se tratando de escravas as possuíam
sexualmente. Muitos ex-escravos continuaram nas fazendas e muitas delas já
possuíam a mão-de-obra dos imigrantes europeus, outros se aventuram pelas
cidades, ganhando míseros tostões em subempregos, eles subiram o morro,
aglomerados em favelas que mais pareciam um chiqueiro, totalmente insalubres,
sem nenhuma possibilidade de ascensão social. Escolas nem pensar! Já no início
do século XIX, Thomas Jefferson, presidente dos Estados Unidos, dizia: "a
liberdade exige um povo com um certo grau de instrução". O atraso se
generalizou. Eram uns "pés-rapados".
Segundo, José Murilo de Carvalho, em
seu livro Cidadania no Brasil – O Longo Caminho: "Foram pouquíssimas as
vozes que insistiram na necessidade em assistir os libertos, dando-lhes
educação e emprego". E o preconceito... preconceito... preconceito... O
homem branco com seu etnocentrismo não aceitava o outro como seu semelhante.
Muitos anos foram percorridos de lá
para cá, estamos na segunda década do século XXI, poucos são os afro-descendentes,
que puderam cursar uma boa escola, que "subiram na vida", que são diretores
de empresas, que são "gente de sucesso", excetuando-se os que se
enveredaram pela área artística (música) ou futebolística, no entanto nas
telenovelas ou nos filmes o preconceito é visível, os personagens negros são,
geralmente, empregadas domésticas ou bandidos e na produção de época, com
certeza, estará representando a saga de seus ancestrais.
Hoje, os afro-descendentes precisam
de um empurrão, ou melhor, cotas, para poderem ingressar em uma universidade.
Talvez seja esta a maneira que o Brasil encontrou para pagar os atrasos social,
econômico, educacional e cultural proporcionados durante tantos anos a um povo,
povo este em busca de uma cidadania.
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