terça-feira, 12 de outubro de 2021

Dias de criança

 Nílson Souza

Não tinha internet. Não tinha telefone celular. Não tinha aparelho de televisão em todas as casas. Não tinha ‒ acreditem! ‒ supermercado. Na primeira vez que entrei num desses, já adolescente, fiquei com as mãos para trás o tempo todo, com medo de tocar em alguma coisa que não me pertencia. 

Não tinha shopping. Escada rolante era coisa de ficção científica. Quem poderia imaginar degraus subindo e descendo com as pessoas imóveis sobre eles? Só mesmo algum cientista maluco como o Doutor Silvana, vilão das histórias do Capitão Marvel. Quem são esses? Bom, hoje tem o Google, dá uma olhada lá. 

Não tinha Google. Não tinha como saber o que não estava na enciclopédia. Enci o quê? Bah, consulta a Wikipédia, que deve ter alguma coisa sobre isso. Não tinha livro digital. Não tinha blog. Não tinha vídeo. YouTube nem pensar. O mais parecido era: “Guri, não me enche os tubos!”. 

Não tinha whats. What? Sim, as pessoas conversavam uma com as outras. Falavam. Às vezes até uma longe da outra. Tinha uns aparelhos pretos, ligados por fios, que possibilitavam a conversa à distância. Mas eram raros e caros. 

Carros também eram raridade. Não tinha Uber. Só tinha auto de praça, para os mais ricos. Depois, surgiu o táxi-mirim, colorido de laranja, sem o banco de passageiro ao lado do motorista. Cinto de segurança também não tinha. A garotada se pendurava no estribo do bonde e não dava nada. Bonde? Google-se, por favor. 

Não tinha computador. Até devia ter, em algum lugar do planeta, talvez no Japão ou nos Estados Unidos. A gente ouvia falar em “cérebros eletrônicos”, que poderiam resolver qualquer problema e fazer cálculos estratosféricos, mas era demais para o nosso cérebro infantil. Como não tinha computador, também não tinha joguinhos, games, nada disso. 

E tinha infância? Bom, tínhamos jogo de bola da manhã à noite, pião, amarelinha na calçada, bilboquê, gibis, álbuns de figurinhas, pescaria na sanga, cantigas de roda, cinco-marias, mocinho e bandido, cabra-cega, bolinha de gude, esconde-esconde, tevê na casa do vizinho, matinê no cineminha do bairro, carrinho de rolimã, patinete, bambolê, ioiô, pega-varetas, pandorga, bodoque, carrinho de madeira, boneca de pano, jogo do taco e uma infinidade de brincadeiras coletivas para crianças que podiam se encontrar na rua sem maiores riscos. 

Era melhor? Era pior? Não sei. Só sei que foi assim.

(No jornal zero Hora, 12 de outubro, Dia da Criança, de 2021)

Nenhum comentário:

Postar um comentário