sexta-feira, 15 de outubro de 2021

O Barão de Itararé na Faculdade de Medicina

 Apparício Torelly, o Barão de itararé, na Faculdade de Medicina

 

Nos dois primeiros anos, durante o curso de farmácia e química, seu antagonismo nos temidos exames orais era o renomado professor Cristiano Fischer. Quando este pressionou o novato com uma pergunta particularmente difícil, o aluno espantou-se: “O senhor, que é doutor em química, vem perguntar justo a mim?”  

Numa aula de anatomia de Sarmento Leite, catedrático famoso, o estudante encontrou um uma mesa cheia de ossos ao entra na sala. O professor apanhou um fêmur e estendeu-o em direção ao aluno:

‒ O senhor conhece este osso?

O jovem Apporelly, igualmente respeitoso, respondeu rápido, empertigando-se e sacudindo o osso num cumprimento:

‒ Não, muito prazer. 

Durante outro exame, percebendo que Aporelly não sabia as respostas, o professor, irônico, pediu ao bedel:

‒ Traga um pouco de alfafa, por favor.

‒ E para mim um cafezinho ‒ completou rápido o aluno. 

Ao chegar, o professor Marques Pereira o interrogou:

‒ Senhor Torelly, o senhor sabe o que é um protozoário?

Apporelly respondeu simplesmente:

‒ Um protozoário é um bichinho muito pequeno que se enxerga no microscópio. 

Insatisfeito com a resposta, o professor ironizou o estudante, que publicava alguns poemas em Porto Alegre.

‒ Mas o senhor é um literato... Não poderá responder melhor? Não acha que esse verbo “enxergar” poderia ser substituído com proveito por “ver”?

Aceitando o desafio, o rapaz limpou a garganta e anunciou:

‒ Um protozoário, preclaro mestre, é um animalúnculo tão minúsculo que só pode ser observado através de lentes côncavas-biconvexas e à luz meridiana. É um ser tão inferior que parece sentir-se à vontade chafurdando na lama das sarjetas. 

Sem assistir a uma aula sequer de fisiologia prática, ele viu chegar o dia do exame. Na sala repleta de aparelhos de laboratório de aspecto misterioso para o estudante bissexto, o professor indicou um instrumento sorteado. Nervoso, Apporelly perguntou ao colega ao lado o nome do instrumento. Era um “carrinho de Bois-Reymond”. Ele, que não ouviu bem a cola, arriscou, inseguro, murmurando com o canto da boca:

‒ Carrinho de mão.

Gargalhada geral na sala. O professor, porém, bastante surdo, acreditou ter ouvido a resposta certa. “Isso mesmo, carrinho de Bois-Reymond.” 

Talvez este episódio tenha inspirado Apporelly a escrever a pequena história do professor surdo e do aluno cínico:

Professor surdo:

‒ Quantas são as classes dos insetos?

Aluno cínico, a meia voz:

‒ Os heminópteros, os heminópteros, os heminópteros, os heminópteros e os heminópteros.

Professor surdo:

‒ Falta uma, vagabundo!

Aluno cínico:

‒ Ah! Os heminópteros. 

Em outra oportunidade, numa banca de anatomia, o professor, cansado das respostas erradas do aluno e querendo ajudá-lo, perguntou: “Quantos rins nós temos?” A pergunta, por sua simplicidade, provocou risos. Apporelly, entretanto, demorou a responder e, pensativo, lançou um olhar à sala repleta de estudantes. O professor, irritado, insistiu:

‒ Vamos! Quantos rins nós temos?

‒ Quatro.

‒ Como?

‒ Sim – disse o aluno – Dois seus e dois meus. 

Apporelly esclarece 

Fiz algumas molecagens na faculdade de medicina de Porto Alegre, à qual não compareci durante quatro anos, embora fizesse os exames finais e sempre me saísse bem. Acontece que eu deixara o ginásio com um bom curso fundamental e estudava, ao acaso, todos os assuntos universitários. Só ia à faculdade por troça. De tal forma que, quando comparecia às aulas, os professores resolviam suprimi-las em protesto contra a minha presença. O Dr. Fischer, principalmente, gostava de proclamar da cátedra quando notava a minha presença entre os outros alunos: “Em vista do extraordinário comparecimento do senhor Apparício Torelly, hoje está suspensa a aula.” Era uma farra! 

(Do livro “Entre sem bater”, de Cláudio Figueiredo)

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