Apparício Torelly, o Barão de itararé, na Faculdade de Medicina
Nos dois primeiros anos, durante o curso de farmácia e química, seu antagonismo nos temidos exames orais era o renomado professor Cristiano Fischer. Quando este pressionou o novato com uma pergunta particularmente difícil, o aluno espantou-se: “O senhor, que é doutor em química, vem perguntar justo a mim?”
Numa
aula de anatomia de Sarmento Leite, catedrático famoso, o estudante encontrou
um uma mesa cheia de ossos ao entra na sala. O professor apanhou um fêmur e
estendeu-o em direção ao aluno:
‒
O senhor conhece este osso?
O
jovem Apporelly, igualmente respeitoso, respondeu rápido, empertigando-se e
sacudindo o osso num cumprimento:
‒ Não, muito prazer.
Durante outro exame,
percebendo que Aporelly não sabia as respostas, o professor, irônico, pediu ao
bedel:
‒ Traga um pouco de alfafa,
por favor.
‒ E para mim um cafezinho ‒ completou rápido o aluno.
Ao chegar, o professor
Marques Pereira o interrogou:
‒ Senhor Torelly, o senhor
sabe o que é um protozoário?
Apporelly respondeu
simplesmente:
‒ Um protozoário é um bichinho muito pequeno que se enxerga no microscópio.
Insatisfeito
com a resposta, o professor ironizou o estudante, que publicava alguns poemas em
Porto Alegre.
‒
Mas o senhor é um literato... Não poderá responder melhor? Não acha que esse
verbo “enxergar” poderia ser substituído com proveito por “ver”?
Aceitando o desafio, o rapaz
limpou a garganta e anunciou:
‒ Um protozoário, preclaro mestre, é um animalúnculo tão minúsculo que só pode ser observado através de lentes côncavas-biconvexas e à luz meridiana. É um ser tão inferior que parece sentir-se à vontade chafurdando na lama das sarjetas.
Sem
assistir a uma aula sequer de fisiologia prática, ele viu chegar o dia do
exame. Na sala repleta de aparelhos de laboratório de aspecto misterioso para o
estudante bissexto, o professor indicou um instrumento sorteado. Nervoso,
Apporelly perguntou ao colega ao lado o nome do instrumento. Era um “carrinho
de Bois-Reymond”. Ele, que não ouviu bem a cola, arriscou, inseguro, murmurando
com o canto da boca:
‒ Carrinho de mão.
Gargalhada geral na sala. O professor, porém, bastante surdo, acreditou ter ouvido a resposta certa. “Isso mesmo, carrinho de Bois-Reymond.”
Talvez
este episódio tenha inspirado Apporelly a escrever a pequena história do
professor surdo e do aluno cínico:
Professor surdo:
‒ Quantas são as classes dos
insetos?
Aluno cínico, a meia voz:
‒
Os heminópteros, os heminópteros, os heminópteros, os heminópteros e os
heminópteros.
Professor surdo:
‒ Falta uma, vagabundo!
Aluno cínico:
‒ Ah! Os heminópteros.
Em
outra oportunidade, numa banca de anatomia, o professor, cansado das respostas
erradas do aluno e querendo ajudá-lo, perguntou: “Quantos rins nós temos?” A
pergunta, por sua simplicidade, provocou risos. Apporelly, entretanto, demorou
a responder e, pensativo, lançou um olhar à sala repleta de estudantes. O
professor, irritado, insistiu:
‒ Vamos! Quantos rins nós
temos?
‒ Quatro.
‒ Como?
‒ Sim – disse o aluno – Dois seus e dois meus.
Apporelly esclarece
Fiz algumas molecagens na faculdade de medicina de Porto Alegre, à qual não compareci durante quatro anos, embora fizesse os exames finais e sempre me saísse bem. Acontece que eu deixara o ginásio com um bom curso fundamental e estudava, ao acaso, todos os assuntos universitários. Só ia à faculdade por troça. De tal forma que, quando comparecia às aulas, os professores resolviam suprimi-las em protesto contra a minha presença. O Dr. Fischer, principalmente, gostava de proclamar da cátedra quando notava a minha presença entre os outros alunos: “Em vista do extraordinário comparecimento do senhor Apparício Torelly, hoje está suspensa a aula.” Era uma farra!
(Do livro “Entre sem bater”, de Cláudio Figueiredo)
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