domingo, 3 de outubro de 2021

Você pode fugir de tudo,

 mas não pode fugir da sua própria consciência...

No filme documentário “Senta Pua” sobre os pilotos brasileiros que lutaram pela FAB, na Itália, na Segunda Guerra Mundial, houve um relato de um veterano piloto que foi o mais emocionante de todos. Ele, agora, um Brigadeiro reformado na casa dos seus 80 anos, no conforto da lareira de sua residência, entre vários depoimentos que deu, um foi uma lição de vida de como uma guerra, muitas vezes, ocasiona fatos estúpidos. 

Todos os pilotos faziam voos solo. Cada voo corresponde a uma missão para atingir determinado alvo. Quanto mais voos, mais missões e maiores os perigos de se morrer e não voltar vivo para a sua base de operações. 

Esse piloto, que não lembro o seu nome, contou que, numa determinada missão, ao Norte da Itália, ele deveria atirar em tudo que se mexesse nas estradas. Voando relativamente baixo, ele observou que um pequeno automóvel corria em disparada por uma estrada de terra. Ele deu uma rasante com seu avião de combate, o carro parou e seus ocupantes fogem para um mato lateral à estrada. Contornou uns minutos depois e percebeu que o carro voltou a andar pela estrada de chão batido. Ele, então, depois de consultar seus próprios instintos e a sua consciência, resolveu atirar no carro com a sua metralhadora.30 explodindo o carro com todos os seus ocupantes. 

O piloto continuou o seu relato: “Será que aquelas pessoas eram realmente inimigas? Não seriam italianos (ou alemães) fugindo à procura de um lugar mais seguro para viver? Quem estaria naquele carro e que perigo elas representariam para uma guerra que já estava no seu fim?”. 

Percebe-se lágrimas nos olhos do veterano piloto. Percebe-se que mesmo ao longo dos anos do fim da guerra, esta angústia o acompanhará pela vida toda. Ele sabe que cumpriu uma determinação estúpida e inconsequente. Talvez, essa missão foi computada para a sua ficha de combate como mais uma missão vitoriosa. Mas ele, mais do que ninguém, sabe o que fez e por que fez. Todos os dias da sua vida a sua consciência não o deixará esquecê-la, porque, simplesmente, ele é um homem normal. Ele fez algo nunca teria feito em sua vida, matou gente, por estar num carro civil, logo não representaria nenhum perigo militar, mas cumpriu, fielmente, ordens superiores. 

Com certeza, no último momento de sua vida, esta lembrança será aquela que ficará mais nítida no seu derradeiro momento quando ele der seu último suspiro, pois tirar a vida de alguém merece uma razão acima de todos os padrões morais para a sua execução. 

Sabe-se bem que não foram só marginais que mataram muita gente neste país. Mataram-se jovens, idealistas e equivocados, que, com o tempo ou alguns anos de cadeia, saberiam da besteira que fizeram, mas a morte não a mereciam e, sim, deveriam ter uma segunda chance de viver. E não foi dada a eles essa chance. A chance que lhes deram foi a de morrer sob tortura ou executados. 

Quantos terão a hombridade que teve o brigadeiro de reconhecer um equívoco de uma ordem que se poderia ter-se desobedecido e ter dado a pessoas, que eles nunca saberão quem eram, a chance de sobreviver e pagar pelos seus erros. 

Se um pai, entre nós, tivesse um filho drogado, mataria este filho? Se um pai, entre nós, soubesse que um filho, bêbado e sem carteira, matou alguém no trânsito, não tentaria defendê-lo? E o filho de alguém só porque professou uma ideologia estanha mereceria morrer? 

Eu sei. Você cumpria ordens... 

(NSM)

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