quarta-feira, 14 de junho de 2023

Alguns trechos de consultas

 com o Analista de Bagé

 

(Um paciente) 

− Todo mundo me persegue. 

(Analista) 

− Não é verdade. 

− Ninguém acredita em mim. 

− Eu acredito

− Você só diz isso pra me agradar. 

− Eu não estou querendo te agradar. 

− Por que não! Por que não! 

***** 

Ele deveria sair dali convencido que nada estava contra ele. Devia se esforçar para levar uma vida normal. 

− Não sei se vou conseguir... 

− Vai. 

−Como é que você sabe? 

− Porque vou estar sempre atrás de ti, tchê. Te cuidando. De dia e de note. A menor recaída na paranoia, ó... 

E analista de Bagé faz o gesto de quem acerta um cutelaço na nuca. 

***** 

(Paciente) 

− Ainda estou na fase anal-retentiva, doutor. Tenho obsessão infantil em não dar nada, nunca, a ninguém. 

− Mas que cosa. Me passa o açúcar. 

− Não passo. 

***** 

(Jornalista) 

− Dizem que a bomba do chimarrão é um tal de símbolo fálico? 

− Símbolo fálico é o cacete. 

(Jornalista) 

− E o tal de feminismo, que tal lhe parece? 

− Pos sou a favor. Acho que toda mulher deve lutar pela sua igualdade, desde que não interfira com o serviço da casa. Depois de pendurar as roupas ela pode fazer o que bem entender. 

***** 

(Jornalista) 

− E a técnica do joelhaço, como foi descoberta? 

− Aprendi com um médico dos meus tempos de piá. Quando a gente dizia que tava com dor de ouvido ele dava um beliscão no braço até a gente gritar: “Tô com saudade da dor de ouvido”. 

***** 

(Jornalista) 

− O senhor já sentiu um bafo na nuca? Como reagiu? 

− Já senti, sim. O bafo da tua mãe, que errou de lado. Tu só não leva um joelhaço porque é da imprensa nanica e eu não sou prevalecido. 

***** 

(Jornalista) 

− E agora a última pergunta: o que a Sociedade Psicanalítica de Bagé vai achar desta entrevista? 

− A Sociedade Psicanalítica de Bagé se reúne semanalmente no CTG Rincão da Sublimação Consciente, o único lugar do Estado em que mancha de gordura na toalha de papel é interpretada na hora. Eles me consideram uma rês desgarrada porque sou muito radical. Só não me expulsaram ainda porque querem me capar antes. 

Casos médicos do Analista de Bagé 

Uma vez um índio velho, que eu tava analisando, disse que estava apaixonado por mim. Eu disse “Não tá”. Ele disse “Tou”. Eu disse “Te fecha”. Ele disse “Mas é verdade”. Eu disse “Quer parar de falar e presta atenção na música? Tá pisando nos meus pés”. Mas um mês depois tava curado. (...) 

***** 

(O Analista de Bagé percorrendo o interior do Rio Grande do Sul, oferecendo tratamento em porta de estância.) 

− Buenas! 

− Como lê vai? 

− Por aí gauderiando más que cigano e candidato. 

− Pois se apeie e tome um mate. 

(...) 

− Será que não tem na casa alguém precisando de uma sessão? Cinquenta minutos e aceito pagamento em charque. 

− Pos a Orestina. 

− Que tem? 

− Anda de riso frouxo. 

− Sei. 

− Ri sozinha. 

− Que cosa. 

− Qualquer cosa, se arreganha. 

− Não é cócega? 

− Pos não é. 

− Que idade tem a bicha? 

− Dezessete. 

− Essa não tem nada. 

− Mas ri até de topada. 

− É da idade.

 − E ela não corre perigo? 

− Só de engravidá.  

Do livro: 

“Todas as Histórias do Analista de Bagé”,

de Luís Fernando Veríssimo

Nenhum comentário:

Postar um comentário