domingo, 4 de junho de 2023

Um conto de metalinguagem

 (E põe metalinguagem nisso...)

Era a terceira vez que aquele Substantivo e aquele Artigo se encontravam no elevador. Um Substantivo masculino, com um aspecto plural e com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o Artigo era bem definido, feminino, singular: era novinha, coisa mais linda de diminutivo, mas com um maravilhoso predicado nominal. Era ingênua, monossilábica, um pouco átona, ao contrário dele: um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos. 

O Substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos num lugar sem ninguém para ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar. O Artigo Feminino deixou as reticências de lado e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador para só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o Substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeçou a se movimentar: só que ao invés de descer, subiu e parou justamente no andar do Substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal e entrou com ela em seu aposto. 

Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele, e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, em gerúndio, sentados num vocativo, entre vírgulas, quando ele começou, outra vez, redundantemente, a se insinuar. Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo. Todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto. Começaram a se aproximar; ela tremendo de vocábulos, e, ele, um pronome pessoal, sentido que seu ditongo ia ficando que vez mais crescente, se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois. Estar-se-iam até agora nessa mesóclise, se ela não confessasse que ainda era vírgula: ele não perdeu o ritmo e sugeriu um longo ditongo oral, e, quem sabe, uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. 

É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para um comum de dois gêneros. Ela totalmente voz passiva. Entre beijos, carícias e outros substantivos, ele foi se avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo seu predicativo do objeto, ia tomando conta dela por um longo período composto. Estavam nessa posição de primeiras e segundas pessoas do singular; ela era um perfeito agente da passiva, e ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o Verbo Auxiliar do edifício reclamando das altas interjeições que se ouviam por todo o prédio, dando conjunções e adjetivos fazendo com que os dois se encolhessem cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas, ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o Verbo Auxiliar começou a ficar anômalo, diminuindo seus advérbios e declarou o seu particípio na história. Os dois se olharam e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício, pois além do Verbo Auxiliar, havia, acima dele, o Período Absoluto que mandava em toda a oração. O Verbo Auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal, apesar de ser um termo acessório, dava para quebrar o verso. 

Oh que loucura! Minha gente vocativa, aquilo não era nenhum demonstrativo do seu caráter, mas um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois com aquela maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto, segurando numa mão o travessão e, na outra, os dois pontos, propondo claramente uma mesóclise-a-trois, que galicismo do mau caráter! 

Só que as condições eram estas, enquanto um abusava do ditongo oral, o outro penetrava no gerúndio, culminado com um complemento verbal no artigo feminino. O Substantivo, vendo esta oração intercalada, reagiu, pois poderia se transformar num artigo indefinido com um til na cabeça, ou mesmo a cabeça entre duas aspas. Achando que o período estava por demais composto e, com mais uma oração coordenada sindética aditiva, resolveu pôr um ponto final na história. Agarrou o Verbo Auxiliar pelos dois pontos e, com ao auxílio de um conetivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à Língua Portuguesa. O Artigo feminino, que estava na voz passiva, pronta para receber a conjunção coordenativa conclusiva, relaxou. 

Os dois, unidos num aposto, chegaram, finalmente, apesar deste adjunto adverbial deslocado, juntos e exaustos ao ponto final do texto. 

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(Autor desconhecido)

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