Deusa T
Nilson Souza
Como aqueles ciganos que periodicamente apareciam na Macondo de Garcia Márquez com novidades que pareciam mágicas aos locais, de vez em quando a deusa da Tecnologia desce do Olimpo do Metaverso para tentar a Humanidade.
Que tal uma máquina que encurtará distâncias e possibilitará que vocês viajem com mais rapidez e conforto do que vêm fazendo há séculos na sua montarias e carruagens?
− Quanto nos custará? − perguntaram os homens.
− Pouco: vocês só terão que extrair petróleo do chão, construir longas estradas asfaltadas, desenvolver microchips e, de vez em quando, sacrificar algumas vidas.
− Fechado! − respondeu a mais ambiciosa das criaturas.
E o automóvel chegou. Trouxe, realmente, rapidez, conforto, status e sensação de poder. Facilitou os deslocamentos. Mas também alterou para sempre a superfície do planeta, poluiu o ar, disseminou a pressa e nos cobra cerca de 1 milhão e 300 mil vidas por ano (segundo a OMS), sem contar os mutilados do trânsito.
Em outra visita aos terráqueos, a Deusa T ofereceu:
− Tenho um aparelhinho maravilhoso, que mostra imagens coloridas em movimento, transforma suas casas em cinema e serve de diversão para toda a família.
− E o que teremos que pagar? − perguntaram.
− Pouco, quase nada. Apenas o preço da obsolescência programada, energia elétrica, espaços na sala e no quarto, e algumas horas diárias de inércia.
− Topamos! − responderam, ansiosos pela novidade.
E a televisão invadiu os lares, distraiu o povo com novelas, filmes, programas de humor e desenhos animados, mas também alterou hábitos, virou babá eletrônica, atiçou o consumo desmesurado e estimulou o sedentarismo.
Mais recentemente, a Deusa T desembarcou no Planeta T com outra novidade espetacular:
− Uma telinha fantástica, que cada pessoa poderá carregar na palma da mão e usá-la para se comunicar com quem quiser, em qualquer lugar da Terra, e que também proporciona acesso ao conhecimento.
− Qual será o nosso custo? − perguntaram os humanos, apenas por perguntar, pois já estavam aceitando.
− O valor dos aparelhos, as taxas das operadoras, tomadas para a bateria e toda a atenção que puderem dispensar ao brinquedinho.
O celular cumpre sua missão, mas, em troca, apropria-se do tempo e da vontade dos usuários.
A visitante volta agora com outra irresistível oferta:
− A IA* é uma coisa maravilhosa, que vos poupará de pensar e tomar decisões.
**********
(Do jornal Zero Hora, junho e 2023)
* IA (Inteligência
Artificial)
Nenhum comentário:
Postar um comentário