Reencontrando “O Divino”
Cartola: 11 de outubro de 1908,
Catete, Rio de Janeiro − 30 de novembro de 1980, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
Cartola por Cássio Loredano
Cartola estava trabalhando na garagem
Oceânica, à rua Visconde de Pirajá, fazendo um serviço incompatível com sua
idade e com seu estado de saúde. Eram 11 carros para ser lavados por noite.
Uma madrugada, interrompeu o serviço
para tomar uma “cana”, pois a umidade penetrava-lhe os ossos, vestido como
estava, com aquele macacão encharcado. Entrou num café. Um moço branco, alto,
bonitão, veio ao seu encontro. Ele, nem aí, não reconheceu. O moço perguntou:
“Você não é o Cartola da Mangueira?” Cartola respondeu afirmativamente E tomou
um susto, quando aquele homenzarrão começou abraçá-lo, emocionado, dizendo: “Eu
sou o Sérgio Porto”, sobrinho do Lúcio Rangel!”
Sérgio ficou felicíssimo, pois há
tempos o andava procurando e até lhe haviam dito que Cartola tinha morrido.
Logo que amanheceu ligou para um amigo, o fotógrafo Humberto Franceschi. Com
uma voz que era emoção pura, declarou: “Franceschi, eu reencontrei o divino”.
(1)
É que Lúcio Rangel, desde a década de
1930, começara a chamá-lo de “O Divino Cartola”. Havia outro divino nas
preferências de Lúcio: Sílvio Fernandes, “O Divino Brancura”. Sérgio Porto, o
Stanislaw Ponte Preta, esforçou-se bastante para reintegrar Cartola no meio
artístico. Primeiro, colocou uma nota na sua coluna diária no jornal:
“Vocês sabem por que o genial Cartola
– Angenor de Oliveira -, tantas vezes citado nos sambas de outros compositores,
fundador da Estação Primeira de Mangueira, responsável pelos melhores sambas do
repertório do outrora grande astro Francisco Alves, passou a acordar às 4 da
manhã? Para pegar o biscate de lavador de carros numa garagem de Copacabana (na
verdade era em Ipanema), pois a velhice já não lhe permite prosseguir na
profissão de pedreiro. E, todavia, Cartola continua a fazer sambas com a mesma genialidade de
outros tempos, apenas não encontra cantores ou fábricas de discos que se
interessem por eles”. (2)
Depois, levou-o para a Rádio Mayrink
Veiga, onde o mestre ficou pouco tempo: “Sérgio me levou para a Mayrink Veiga.
Enquanto ele ficou, eu me escorei. Cheguei a fazer músicas, a trabalhar, mas,
infelizmente, o samba não estava na moda”. (3)
Mas a ajuda de Sérgio Porto não parou
por aí. Em pouco tempo, amigos do jornalista – entre os quais o caricaturista
Lan – promoviam a ressurreição de Cartola. Levaram-no para cantar em programas
de rádio, em restaurantes, em jornais e revistas que, assim, informavam que o
grande compositor, parceiro de Carlos Cachaça, não morrera. Por exemplo: em sua
edição de 17 de janeiro de 1957, o Jornal
do Brasil publicava reportagem com Cartola e divulgava a letra do primeiro
samba escrito por ele depois da descoberta de Sérgio – Fiz por você o que pude. Só faltava um cantor que se interessasse
em gravá-lo para o carnaval. O cantor não apareceu, mas Sérgio, Lan, Lúcio e
outros mais teimavam em ressuscitá-lo. (4)
A primeira parte do samba foi gravada
em 1966 por Clementina de Jesus, na décima faixa do disco a Enluarada Elizeth. O samba todo, porém,
só em 1974, pelo próprio Cartola.
Logo em seguida Jota Efegê
arranjou-lhe um emprego de contínuo no Diário
Carioca, com salário de seis mil cruzeiros mensais (era o salário mínimo).
Cartola trabalhou lá durante sete meses.
(1)
Depoimento de Humberto Franceschi;
(2)
Recorte do arquivo de Cartola, sem nome do jornal e sem
data;
(3)
Manchete, Rio
de Janeiro, 3.11.1977;
(4)
Jornal do Brasil,
1.10.1980.
P.S. Depois da redescoberta de
Cartola por Sérgio Porto, ele teve vários empregos, foi funcionário público,
dono banca, dono de restaurante (Zicartola), mas ele conseguiu mesmo foi vencer
como compositor, gravando discos e fazendo shows por todo o Brasil.
(Do livro “Cartola – os tempos idos”,
de Marília
Barboza da Silva – Arthur de Oliveira Filho)
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