segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Guardar

Antônio Cícero*


Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.

Guardar uma coisa é olhá-la,
fitá-la,
mirá-la por admirá-la,
Isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.

Guardar uma coisa é vigiá-la,
isto é, fazer vigília por ela,
isto é, velar por ela,
isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela
ou ser por ela.

Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
do que pássaros sem voos.
Por isso se escreve,
por isso se diz,
por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez,
guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema,
por guardar-se o que se quer guardar.

* Este poema declamado por Antônio Cícero, 16.01.1945, Rio de Janeiro, Brasil, está na internet.


O poeta e compositor Antônio Cícero é bastante discreto, ao contrário da maioria das estrelas que vive sob o alvo dos holofotes. Formado em filosofia na Inglaterra, é professor de lógica. E autor de um punhado de letras e músicas muito conhecidas do público brasileiro. De “Alma Caiada”, sua primeira composição gravada em 1976, pela irmã Marina Lima e depois por Maria Bethânia, a “Charme do mundo”, Fullgás”, “Acontecimentos”, “À Francesa”, passando por “Último Romântico”, todas têm em comum o traço poético desse carioca da zona sul.

Gravado por nomes como Caetano Veloso, Lulu Santos, Gal Costa, Zizi Possi e Adriana Calcanhotto, Antônio Cícero tornou-se um compositor respeitado. Em 1996 publicou seu primeiro livro de poesia “Guardar” e o CD “Antônio Cícero por Antônio Cícero”, onde ele interpreta poemas de sua autoria. Como filósofo, é autor de “O Mundo Desde o Fim”. (...) Antônio Cícero diz que “a poesia não é nem deve tentar ser um fenômeno pop” e que letra de música pode ser sim, poesia.

(Do Blog de Ailton Medeiros)

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