quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Sonetos centenários



Engano

Quanto mais lanço os olhos no passado,
Mais sinto ter passado distraído
Por tanto bem tão mal compreendido,
Por tanto mal bem recompensado.

Em vão relanço o meu olhar cansado
Pelo sombrio espaço percorrido;
Andei tanto em tão pouco, e já perdido
Vejo tudo o que vi... Sem ter olhado!

E assim prossigo, sempre para diante,
Vendo o que mais procuro, mais distante,
Sem ter nada de tudo que já tive.

Quanto mais lanço os olhos ao passado,
Mais julgo a vida o sonho mal sonhado
De quem nem sonha que a sonhar se vive.


1. Múcio Teixeira - Porto Alegre

Paródia

Infância minha querida que partiste,
Para longe do meu ser eternamente,
Repousa no passado tristemente,
E viva eu a lembrar-te sempre triste.

Se lá no tempo infinito onde sumiste
Te surgir o passado pela mente,
Não te esqueças de quem saudosamente,
Te chora, te pranteia desde que partiste.

E se vires que pode merecer-te,
Alguma causa a dor que me ficou,
Da mágoa sem remédio de perder-te,

Roga a Deus que para sempre te levou,
Que ao menos em sonhos possa eu ver-te,
Sem memória da dor que me ficou.

2. Álvaro Moreyra, 23.11.1904

(Na época, com 15 anos, interno em
um colégio em São Leopoldo-RS)

Dor de pai

Hoje também a fado igual sujeito,
sujeito a iguais tormentos e agonias,
tendo o inferno da dor dentro do peito,
hoje mais sinto a dor que tu sentias.

Mais te entendo este riso contrafeito,
com que a tristeza então contrafazias,
para prestar ao mundo o preito
de tantas fementidas alegrias.

Hoje sei quanto pesa o teu martírio,
quanta amarguras neste delírio
em que tropegam vacilantes passos...

Que só quando a ventura incauta dorme
bem mede um pai a desventura enorme
de ver um filho morto entre seus braços.

3. Caldas Júnior – Porto Alegre/RS
(Fundador do Correio do Povo)

Deserta a casa está; entrei chorando
De quarto em quarto, em busca de ilusões;
Por toda a parte as pálidas visões!
Por toda a parte as lágrimas falando!

Vejo meu pai na sala caminhando,
Da luz da tarde aos tépidos clarões;
De minha mãe escuto as orações,
Na alcova aonde ajoelhei rezando.

Brincam minhas irmãs − doce lembrança! -
Na sala de jantar... Ai! Mocidade!
És tão veloz e o tempo não descansa!

Oh! Sonhos! Sonhos meus de claridade,
Como é tardia a última esperança!...
Meu Deus! Como é tamanha esta saudade!...
Saudade


4. José Bonifácio de Andrade e Silva

Pelo meu tesouro

Para Maria*

* Filha do médico e poeta.**

Quantas vezes, exausto da jornada,
Desta viagem áspera e comprida,
Paro, cansado e exânime, na estrada,
Sem ter mais forças para o mar da vida.

Fica tão longe a promissão sonhada!
E, através da batalha agra e renhida,
Levo a esperança já desarvorada,
Por doido vento e doido mar varrida.

Mas me lembro de ti, filha mimosa,
Que ainda precisas, ave mal plumosa,
De que o meu braço te conduza e valha.

Vejo em redor o prélio árduo e medonho,
Mas nos meus olhos os teus olhos ponho,
E mergulho de novo na batalha.

**5. Mário Totta – Porto Alegre

Longe de ti

Longe de ti, se escuto, porventura,
Teu nome, que uma boca indiferente
Entre outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me o pranto aos olhos de repente...

Tal aquele, que, mísero, a tortura
Sofre de amargo exílio tristemente,
A linguagem natal, maviosa e pura,
Ouve falada por estranha gente...

Porque teu nome é para mim o nome
De uma pátria distante e idolatrada,
Cuja saudade ardente me consome:

E ouvi-lo é ver eterna primavera
E a eterna luz da terra abençoada,
Onde, entre flores, teu amor me espera.

6. Olavo Bilac - Rio de Janeiro

1. Múcio Scevola Lopes Teixeira (Porto Alegre, RS, 13 de setembro de 1857 - Rio de Janeiro, RJ, 8 de agosto de 1926) foi um escritor, jornalista, diplomata e poeta brasileiro.

2. Álvaro Maria da Soledade Pinto da Fonseca Velhinho Rodrigues Moreira da Silva (Porto Alegre, RS, 23 de novembro de 1888 - Rio de Janeiro, RJ, 12 de setembro de 1964) foi um poeta, cronista e jornalista brasileiro.

3. Francisco Antônio Vieira Caldas Júnior (Neópolis, SE, 13 de dezembro de 1868 - Porto Alegre, RS, 9 de abril de 1913) foi um jornalista e empresário brasileiro.

4. José Bonifácio de Andrada e Silva (Santos, SP, 13 de junho de 1763 - Niterói, 6 de abril de 1838 foi um naturalista, estadista e poeta luso-brasileiro, conhecido pelo epíteto de Patriarca da Independência por seu papel decisivo na Independência do Brasil.

5. Mário Totta (Porto Alegre, RS, 5 de janeiro de 1874 - Porto Alegre, RS, 17 de novembro de 1947) foi um médico, romancista, poeta e jornalista brasileiro.

6. Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (Rio de Janeiro, RJ, 16 de dezembro de 1865 - Rio de Janeiro, RJ, 28 de dezembro de 1918) foi um jornalista, contista, cronista e poeta brasileiro, considerado o principal representante do parnasianismo no país.

Depoimento de Areimor Neto

(...) Dele (João Moreira da Silva, avô paterno do depoente) herdei três coleções de almanaques, do período de 1889 a 1916:  Almanak literário e estatístico, Os Serões e Almanak popular.
(...) destes almanaques extraí os sonetos aqui publicados. (...) muitos dos autores são poetas bissextos, dos quais não se tem a biografia.

(Do livro “101 Sonetos Centenários”, de Areimor Neto)



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