Engano
Quanto mais lanço os olhos no passado,
Mais sinto ter passado distraído
Por tanto bem tão mal compreendido,
Por tanto mal bem recompensado.
Em vão relanço o meu olhar cansado
Pelo sombrio espaço percorrido;
Andei tanto em tão pouco, e já perdido
Vejo tudo o que vi... Sem ter olhado!
E assim prossigo, sempre para diante,
Vendo o que mais procuro, mais distante,
Sem ter nada de tudo que já tive.
Quanto mais lanço os olhos ao passado,
Mais julgo a vida o sonho mal sonhado
De quem nem sonha que a sonhar se vive.
1. Múcio Teixeira -
Porto Alegre
Paródia
Infância minha querida que partiste,
Para longe do meu ser eternamente,
Repousa no passado tristemente,
E viva eu a lembrar-te sempre triste.
Se lá no tempo infinito onde sumiste
Te surgir o passado pela mente,
Não te esqueças de quem saudosamente,
Te chora, te pranteia desde que partiste.
E se vires que pode merecer-te,
Alguma causa a dor que me ficou,
Da mágoa sem remédio de perder-te,
Roga a Deus que para sempre te levou,
Que ao menos em sonhos possa eu ver-te,
Sem memória da dor que me ficou.
2. Álvaro Moreyra,
23.11.1904
(Na época, com 15
anos, interno em
um colégio em São Leopoldo-RS )
Dor de pai
Hoje também a fado igual sujeito,
sujeito a iguais tormentos e agonias,
tendo o inferno da dor dentro do peito,
hoje mais sinto a dor que tu sentias.
Mais te entendo este riso contrafeito,
com que a tristeza então contrafazias,
para prestar ao mundo o preito
de tantas fementidas alegrias.
Hoje sei quanto pesa o teu martírio,
quanta amarguras neste delírio
em que tropegam vacilantes passos...
Que só quando a ventura incauta dorme
bem mede um pai a desventura enorme
de ver um filho morto entre seus braços.
3. Caldas Júnior –
Porto Alegre/RS
(Fundador do Correio
do Povo)
Deserta a casa está; entrei
chorando
De quarto em quarto, em busca de
ilusões;
Por toda a parte as pálidas visões!
Por toda a parte as lágrimas
falando!
Vejo meu pai na sala caminhando,
Da luz da tarde aos tépidos
clarões;
De minha mãe escuto as orações,
Na alcova aonde ajoelhei rezando.
Brincam minhas irmãs − doce
lembrança! -
Na sala de jantar... Ai! Mocidade!
És tão veloz e o tempo não
descansa!
Oh! Sonhos! Sonhos meus de
claridade,
Como é tardia a última
esperança!...
Meu Deus! Como é tamanha esta
saudade!...
Saudade
4. José Bonifácio de
Andrade e Silva
Pelo meu tesouro
Para Maria*
* Filha do médico e poeta.**
Quantas vezes, exausto da jornada,
Desta viagem áspera e comprida,
Paro, cansado e exânime, na estrada,
Sem ter mais forças para o mar da vida.
Fica tão longe a promissão sonhada!
E, através da batalha agra e renhida,
Levo a esperança já desarvorada,
Por doido vento e doido mar varrida.
Mas me lembro de ti, filha mimosa,
Que ainda precisas, ave mal plumosa,
De que o meu braço te conduza e valha.
Vejo em redor o prélio árduo e medonho,
Mas nos meus olhos os teus olhos ponho,
E mergulho de novo na batalha.
**5. Mário Totta –
Porto Alegre
Longe de ti
Longe de ti, se escuto, porventura,
Teu nome, que uma boca indiferente
Entre outros nomes de mulher murmura,
Sobe-me o pranto aos olhos de repente...
Tal aquele, que, mísero, a tortura
Sofre de amargo exílio tristemente,
A linguagem natal, maviosa e pura,
Ouve falada por estranha gente...
Porque teu nome é para mim o nome
De uma pátria distante e idolatrada,
Cuja saudade ardente me consome:
E ouvi-lo é ver eterna primavera
E a eterna luz da terra abençoada,
Onde, entre flores, teu amor me espera.
6. Olavo Bilac - Rio
de Janeiro
1. Múcio Scevola Lopes Teixeira (Porto Alegre,
RS, 13 de setembro de 1857 - Rio de Janeiro, RJ, 8 de agosto
de 1926)
foi um escritor,
jornalista,
diplomata
e poeta
brasileiro.
2. Álvaro Maria da Soledade Pinto
da Fonseca Velhinho Rodrigues Moreira da Silva (Porto Alegre,
RS, 23 de novembro de 1888 - Rio de Janeiro, RJ, 12 de
setembro de 1964)
foi um poeta,
cronista
e jornalista
brasileiro.
3. Francisco Antônio Vieira
Caldas Júnior (Neópolis, SE, 13 de dezembro de 1868 - Porto Alegre,
RS, 9 de abril
de 1913)
foi um jornalista
e empresário
brasileiro.
4. José Bonifácio de Andrada e
Silva (Santos,
SP, 13 de junho
de 1763
-
Niterói,
6 de abril
de 1838
foi um naturalista,
estadista
e poeta
luso-brasileiro,
conhecido pelo epíteto de Patriarca da Independência por seu papel decisivo
na Independência do Brasil.
5. Mário Totta (Porto Alegre,
RS, 5 de janeiro
de 1874
-
Porto Alegre,
RS, 17 de novembro de 1947) foi um médico,
romancista, poeta e jornalista brasileiro.
6. Olavo Brás Martins dos
Guimarães Bilac (Rio de Janeiro, RJ, 16 de
dezembro de 1865
-
Rio de Janeiro, RJ, 28 de dezembro de 1918) foi um jornalista,
contista,
cronista e poeta
brasileiro, considerado o principal representante do parnasianismo
no país.
Depoimento de Areimor Neto
(...) Dele (João Moreira da
Silva, avô paterno do depoente) herdei três coleções de almanaques, do período
de 1889 a
1916: Almanak literário e estatístico, Os Serões e
Almanak popular.
(...) destes almanaques extraí os
sonetos aqui publicados. (...) muitos dos autores são poetas bissextos, dos
quais não se tem a biografia.
(Do livro “101
Sonetos Centenários”, de Areimor Neto)
Nenhum comentário:
Postar um comentário