domingo, 18 de agosto de 2019

A carta do Fulano



por Luciano Hortencio

Minha mãe Luzinha Simões, bem antes de conhecer meu pai, teve um grande amor e uma maior decepção. Foi noiva do Fulano e o rapaz rompeu o laço por força de injunções e interesses maiores do que poderia ter ao casar com mamãe, órfã de pai, situação àquela época que equivalia a um demérito.

Ao romper o noivado, o Fulano escreveu-lhe uma carta de umas dez ou mais páginas, onde tentou encobrir sua fraqueza ao alegar problemas de saúde. Carta tocante para nós, já que o Fulano foi realmente um grande amor de mamãe.

Ao final da missiva, Fulano pede que a carta seja guardada, se a amada tivesse pena de um desgraçado, até a morte.

Quando mamãe estava já velha e um pouco esquecida, muitas vezes perdia a “Carta do Fulano” e até papai ajudava a procurá-la, pois sabia ele e nós todos que aquele tinha sido um grande amor, o primeiro grande amor de mamãe. Isso era respeitado por toda nossa família.

Quando partiu mamãe, coloquei a “Carta do Fulano” e alguns bilhetes do papai atrás de sua cabecinha branca. Alguém disse que eu não fizesse aquilo, uma vez que aqueles documentos eram importantes para nossa memória familiar. Fiz ouvidos moucos, porque tenho certeza que mamãe, se pudesse optar, queria levar as cartas com ela. E isso foi feito. Mamãe descansa em plena paz.

Há poucos dias descobri a gravação de Mariza de Lima para Carta de amor, de Alfredo Schultz e a associei à “Carta de Fulano”.

Carta de Amor

Há uns dias atrás,
Isso foi num domingo, aliás,
Encontrei, entre os velhos papéis,
Uma carta de amor.

Outra carta, assim,
Não deixava saudades em mim,
Raramente, as juras de amor
Causam tanta tristeza e dor.

Reviver outra vez
Um romance, antigo e a paixão,
Um momento feliz,
Muito curta é a separação...

A culpada fui eu,
Já é tarde a clamar pelo céu,
E por isso eu quero-te bem,
Não te guardo rancor.

O que foi já passou,
As feridas o tempo sarou,
E só uma lembrança ficou...
Essa carta de amor.

Mariza de Lima – Carta de Amor, samba-canção de Alfredo Schultz – Disco Chantecler 78 −0144-B, gravado em julho de 1959. A música está disponível na internet.

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