Zeca Neto, sentado, à esquerda
Inicialmente, o posto honorífico de
coronel, originário da Guarda Nacional do Império, atribuía-se aos comandantes
dos corpos provisórios formados nas revoluções da República Velha. Acabou
designando genericamente os latifundiários que controlavam as pequenas cidades
do interior e sua população rural. Os grandes coronéis municipais, livres
manipuladores de votos, constituíram as oligarquias estaduais que, agindo
harmonicamente em São Paulo
e Minas Gerais, dominaram a nação, na chamada política café-com-leite. Enquanto isso, os coronéis gaúchos dividiam-se, por
razões mais filosóficas que práticas, em ximangos e maragatos. Quando afinal se
uniram, lideraram a Revolução de 30.
Houve coronéis de todos os tipos, neles
sempre presente, com maior ou menor intensidade, o binômio poder-riqueza.
Alguns, entretanto, apresentavam contrastantes e por vezes insuperáveis
deficiências culturais. Suas peripécias divertiam por décadas os frequentadores
da Rua da Praia e do Largo dos Medeiros, em Porto Alegre
Há frases famosas, ditas por
comandantes de corpos provisórios a seus soldados. Como a do lacônico coronel
Espiridião, em vilarejo perto de Sant′Ana do Livramento, na linha com o Uruguai. Pretendendo motivar
a tropa de pés no chão, lanças de bambu e alguns velhos mosquetões, formada à
sua frente, bradou:
− Indiada! Aqueles cagado lá do centro do país diz que nóis semo uns baita cobarde. Nóis
semo cobarde, Indiada?
− Não! −
gritaram todos em coro.
− Pues entonces bamo lá, indiada!
*****
O batalhão provisório retornou à
cidade depois de longo período de refregas. O coronel deu a última ordem,
dispensando-os:
− Os que
querem irem indo podem irem indo, no más. Os restante estão
deliberados.
*****
O coronel Nabuco raramente saía dos
limites de sua fazenda e não tinha qualquer traquejo em assuntos sociais.
Atrapalhava-se até quando visitava a vila, dentro de suas terras. As cerimônias
mais solenes a que assistira na vida haviam sido cortejos fúnebres, assim mesmo
modestos e despojados. Um dia recebeu convite para o casamento da filha de
estancieiro de Bagé, grande amigo e companheiro de revoluções; não podia
recusar.
Na hora da cerimônia, a igreja
lotada, toda a sociedade presente, gente fina e aristocrática, políticos,
autoridades, convidados do Uruguai, de Porto Alegre e até do Rio de Janeiro. O
sacerdote, em traje de gala, pomposamente fez a clássica pergunta:
− ... E se houver alguém aqui
presente que saiba de alguma coisa que impeça este matrimônio, que fale agora
ou se cale para sempre...
Nabuco, lá do fundo, depois de olhar
para os lados, foi levantando o corpanzil, chapelão seguro nas mãos, enquanto
com voz grave e poderosa começou a dizer:
− Eu aqui, por exemplo, na parte que
me toca...
Aterrorizados e respiração presa,
todos os presentes olharam para ele. Pachorrento, já com jeito de formalidade
cumprida, o coronel completou enfaticamente a frase, antes de voltar a
sentar-se:
− ... não sei de nada!
Do livro “Anedotário
da Rua da Praia 2” ,
de Renato Maciel de Sá Júnior.
de Renato Maciel de Sá Júnior.
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