sábado, 24 de agosto de 2019

Os coronéis provisórios



Zeca Neto, sentado, à esquerda

Inicialmente, o posto honorífico de coronel, originário da Guarda Nacional do Império, atribuía-se aos comandantes dos corpos provisórios formados nas revoluções da República Velha. Acabou designando genericamente os latifundiários que controlavam as pequenas cidades do interior e sua população rural. Os grandes coronéis municipais, livres manipuladores de votos, constituíram as oligarquias estaduais que, agindo harmonicamente em São Paulo e Minas Gerais, dominaram a nação, na chamada política café-com-leite. Enquanto isso, os coronéis gaúchos dividiam-se, por razões mais filosóficas que práticas, em ximangos e maragatos. Quando afinal se uniram, lideraram a Revolução de 30.

Houve coronéis de todos os tipos, neles sempre presente, com maior ou menor intensidade, o binômio poder-riqueza. Alguns, entretanto, apresentavam contrastantes e por vezes insuperáveis deficiências culturais. Suas peripécias divertiam por décadas os frequentadores da Rua da Praia e do Largo dos Medeiros, em Porto Alegre
  
Há frases famosas, ditas por comandantes de corpos provisórios a seus soldados. Como a do lacônico coronel Espiridião, em vilarejo perto de Sant′Ana do Livramento, na linha com o Uruguai. Pretendendo motivar a tropa de pés no chão, lanças de bambu e alguns velhos mosquetões, formada à sua frente, bradou:

− Indiada! Aqueles cagado lá do centro do país diz que nóis semo uns baita cobarde. Nóis semo cobarde, Indiada?

− Não! − gritaram todos em coro.

Pues entonces bamo lá, indiada!

*****

O batalhão provisório retornou à cidade depois de longo período de refregas. O coronel deu a última ordem, dispensando-os:

− Os que querem irem indo podem irem indo, no más. Os restante estão deliberados.

*****

O coronel Nabuco raramente saía dos limites de sua fazenda e não tinha qualquer traquejo em assuntos sociais. Atrapalhava-se até quando visitava a vila, dentro de suas terras. As cerimônias mais solenes a que assistira na vida haviam sido cortejos fúnebres, assim mesmo modestos e despojados. Um dia recebeu convite para o casamento da filha de estancieiro de Bagé, grande amigo e companheiro de revoluções; não podia recusar.

Na hora da cerimônia, a igreja lotada, toda a sociedade presente, gente fina e aristocrática, políticos, autoridades, convidados do Uruguai, de Porto Alegre e até do Rio de Janeiro. O sacerdote, em traje de gala, pomposamente fez a clássica pergunta:

− ... E se houver alguém aqui presente que saiba de alguma coisa que impeça este matrimônio, que fale agora ou se cale para sempre...

Nabuco, lá do fundo, depois de olhar para os lados, foi levantando o corpanzil, chapelão seguro nas mãos, enquanto com voz grave e poderosa começou a dizer:

− Eu aqui, por exemplo, na parte que me toca...

Aterrorizados e respiração presa, todos os presentes olharam para ele. Pachorrento, já com jeito de formalidade cumprida, o coronel completou enfaticamente a frase, antes de voltar a sentar-se:

− ... não sei de nada!

Do livro “Anedotário da Rua da Praia 2”
de Renato Maciel de Sá Júnior.

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