terça-feira, 10 de setembro de 2019

MÃE

Barreto Coutinho


Mãe − alma querida e santa
− astro de divino brilho,
cuja luz a treva espanta
dos dissabores do filho.

Mãe − criatura tão cara,
do filho o mais santo altar...
− Quem perde essa gema rara
nunca mais há de encontrar!

Mesmo as aves, essa eterna
verdade mostram nos ninhos:
que se fez a alma materna
de amor, ternura e carinhos.

Quando a sorte me arremessa
às magoas, elas têm fim,
pois minha mãe nunca cessa
de pedir a Deus por mim.

Uma vez vi-a rezando
aos pés da Virgem Maria.
Era uma santa escutando
o que outra santa dizia.

Nessa quinta quadra, um anônimo desgarrou-a do poema, alterou o primeiro verso e a divulgou como uma trova. Muitas vezes creditada a outros autores, até que em 1968 a União Brasileira de Trovadores deu oficialmente o crédito ao verdadeiro autor. A trova, modificada e famosa, diz:

Eu vi minha mãe rezando
aos pés da Virgem Maria;
era uma Santa escutando
o que outra santa dizia.

Continuando...

Se uma coisa me tortura
e o pranto aos olhos me vem,
minha mãe − santa criatura
chora comigo também!

E então nos seus olhos leio
meu pranto o que há lhe causado:
 − Se magoas ao santo seio
que a dor tem santificado!

Por vossa infinda bondade,
Deus que eu creio e reconheço,
dai, pois, a mais longa idade
ao ser que eu tanto estremeço!

Eu vi minha mãe rezando

Ubiratan Lustosa

Lá pelos anos 60, certo dia apareceu na Rádio Clube Paranaense, emissora onde eu trabalhava, o meu amigo Orlando Woczikosky, grande poeta curitibano, hoje Presidente de Honra da União Brasileira de Trovadores do Paraná.

Eu apresentava as trovas do Orlando em meus programas radiofônicos colhendo-as de um manuscrito que ele me dera e que até hoje guardo como relíquia.

Naquela visita Orlando levou consigo outro poeta, do qual eu achava linda uma trova conhecida em todo o Brasil, mas que até então não sabia quem era o autor.


Barreto Coutinho

Eu acho linda essa trova. Vocês sabem quem é o autor? O saudoso poeta Barreto Coutinho, o homem que o Orlando Woczikosky levou para me visitar nos estúdios da veterana Bedois. Seu nome completo é Ermírio Barreto Coutinho da Silveira.

Nascido em 30 de junho de 1893, Limoeiro, PE; falecido em Curitiba, PR, em 31 de agosto de 1975, Barreto Coutinho era médico, jornalista e professor universitário no Rio de Janeiro e vindo para a capital paranaense onde foi presidente da União Brasileira de Trovadores − seção de Curitiba.

Naquela visita, em meio a um bate-papo gostoso, o poeta pernambucano me contou uma curiosidade: a sua famosa quadra originalmente era um pouco diferente. Quando começou a correr o Brasil, alguém modificou um pouco os versos do poeta, deixando a trova como até hoje é conhecida. Não se sabe quem fez isso.

A trova original, a quinta de um poema de oito quadras, antes era assim:

Uma vez vi-a rezando
aos pés da Virgem Maria...
...era uma santa escutando
o que outra santa dizia.

O primeiro verso foi alterado.

Eu perguntei ao Barreto se ele não ficou aborrecido por terem modificado seus versos e ele me respondeu:

− Que nada. Quem modificou deixou melhor!

Barreto Coutinho, com simplicidade, dizia que lamentava não saber o autor da alteração, pois desejava agradecer por ter aperfeiçoado a sua trova que se tornou imortal. O poeta tinha a modéstia de reconhecer que alguém no anonimato o ajudara.

Do livro Nosso encontro com Ubiratan Lustosa
Instituto Memória Editora


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