quarta-feira, 11 de setembro de 2019

O Tempo passa

(Lenda japonesa)


Todos os deuses notaram, naquele dia, que Izanaghi, o Sétimo, preparava-se para partir em companhia de sua adorável esposa Izanami (1). Kuni-toko-datis, o Primeiro, senhor do Céu e da Luz, indagou, apreensivo:

− Pela suprema Vontade, ó Izanaghi!, para onde pretendes partir com a tua formosa companheira?

Respondeu Izanaghi:

− Quero observar como vivem, na Terra, os homens − esses seres inferiores, criados pela infinita bondade dos deuses. Minha esposa deseja auxiliar os mortais e torná-los felizes. É por isso que partimos.

Kuni-satsu-tsi, o Segundo, o eterno defensor da Justiça, observou:

− Não vos esqueçais, ao julgar os homens, que a indulgência faz parte da Justiça.

− Ensinai aos mortais − acrescentou Toio-Munon-Su, o Terceiro − que o desespero é o maior dos erros.

Os outros três deuses, Wan-hri-su, Oototsi e Omotaron, nada disseram. Que poderiam eles aconselhar ao poderoso Izanaghi, o mais sábio dos deuses?

Izanaghi e sua esposa Izanami desceram à Terra e foram ter à ilha de Awadsi. Essa ilha, protegida pelos famosos rochedos de Sikoff, é um dos recantos mais belos do mundo.

Que felicidade para os homens poderia advir da presença dos deuses entre as montanhas de Awadsi?

Izanami disse ao seu esposo:

− Os mortais são simples e bondosos; souberam receber-nos com alegria e afeto. Acha que merecem recompensa.

− Que desejas fazer, querida? − indagou Izanaghi − em benefício dos homens?

A deusa respondeu:

− Já pude observar que o grande terror de todas as criaturas é a morte. Não há um só homem que não se encha de angústia e pavor ao ver chegar o termo de seus dias. E a morte é consequência fatal do tempo. Façamos, pois, para a felicidade da Terra, que o tempo não passe mais para os homens, embora continue a passar para os outros seres que povoam o Universo.

− Está bem, querida − respondeu Izanaghi − Assim farei. Deste momento em diante, o tempo não mais passara para os homens. Ficarão todos exatamente como estão, e permanecerão, assim, inalteráveis, numa existência tranquila e feliz.

Izanaghi e Izanami continuaram a viver sob céu de Awadsi, entre os rochedos de Sikoff.

Um dia, afinal, foram os deuses despertados por estranho rumor. Grande multidão, em atitude de protesto, rodeava o palácio.

− Que deseja essa gente? − indagou Izanaghi.

Os jovens e adolescentes disseram:

− Senhor! A vossa decisão sobre o tempo foi, para nós, um castigo tremendo. Se o tempo não passar, jamais chegaremos a viver. Queremos que o tempo passe, para que possamos chegar à idade de casar, constituir família − realizar, enfim, a nossa missão na vida e dela tirar a nossa parcela de felicidade! Que adianta viver sem sentir passar a vida?

Os homens de meia-idade também falaram ao Sétimo Deus:

− O tempo, senhor, continua impassível para nós! Como é triste e monótona a vida que não passa! Queremos ver o perpassar dos dias, pois alimentamos a ambição de apreciar os nossos filhos crescidos, trabalhando felizes ao nosso lado!

− Também nós, senhor! − acudiram os velhos − desejamos que o tempo passe. Torturados pelos achaques de nossa idade, que pode valer a vida para nós? A nossa felicidade é o reflexo da felicidade daqueles que amamos. Queremos que o tempo passe, pois só o passar do tempo fará a alegria de nossos filhos e de nossos netos!

Arrebatado pelo desespero (que é o maior dos erros), Izanaghi esqueceu-se de que a indulgência faz parte da justiça. Tomado de vivo rancor contra os homens rebeldes, exclamou:

− Insensatos! Quereis que o tempo passe para que possais viver cada momento iludidos pelas falazes esperanças do futuro! A lembrança bondosa de minha esposa foi repelida pela ingratidão que vive em vossos corações. Quereis que o tempo passe? Pois bem, o tempo passará!

E rematou:

− Mas o passar do tempo será sempre ao contrário de vossos desejos, ao arrepio de vossas aspirações. Será rápido e fugaz nas horas felizes e lento, muito lento, nos períodos de dor e tristeza.

E o castigo dos deuses caiu impiedoso sobre os homens.

O tempo passa − esse foi o desejo de todos; passa, entretanto, célebre e fugidio nas horas de alegria e felicidade; vagaroso, tardo e torturante nos minutos infindáveis de angústia e sofrimento.

*****

Nota:

(1) Izanami − Todos os deuses citados nesta lenda, faziam parte da mitologia dos primitivos habitantes do Japão. Vide A. Humbert − “Le Japon”.

Fonte:

Malba Tahan no livro “Minha Vida Querida”.

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