(Lenda japonesa)
Todos os deuses notaram, naquele
dia, que Izanaghi, o Sétimo, preparava-se para partir em companhia de sua
adorável esposa Izanami (1). Kuni-toko-datis, o Primeiro, senhor do Céu e da
Luz, indagou, apreensivo:
− Pela suprema Vontade, ó
Izanaghi!, para onde pretendes partir com a tua formosa companheira?
Respondeu Izanaghi:
− Quero observar como vivem, na
Terra, os homens − esses seres inferiores, criados pela infinita bondade dos
deuses. Minha esposa deseja auxiliar os mortais e torná-los felizes. É por isso
que partimos.
Kuni-satsu-tsi, o Segundo, o eterno defensor da Justiça,
observou:
− Não vos esqueçais, ao julgar os homens, que a indulgência
faz parte da Justiça.
− Ensinai aos mortais − acrescentou Toio-Munon-Su, o
Terceiro − que o desespero é o maior dos erros.
Os outros três deuses,
Wan-hri-su, Oototsi e Omotaron, nada disseram. Que poderiam eles aconselhar ao
poderoso Izanaghi, o mais sábio dos deuses?
Izanaghi e sua esposa Izanami
desceram à Terra e foram ter à ilha de Awadsi. Essa ilha, protegida pelos
famosos rochedos de Sikoff, é um dos recantos mais belos do mundo.
Que felicidade para os homens
poderia advir da presença dos deuses entre as montanhas de Awadsi?
Izanami disse ao seu esposo:
− Os mortais são simples e
bondosos; souberam receber-nos com alegria e afeto. Acha que merecem
recompensa.
− Que desejas fazer, querida? − indagou Izanaghi − em
benefício dos homens?
A deusa respondeu:
− Já pude observar que o grande
terror de todas as criaturas é a morte. Não há um só homem que não se encha de
angústia e pavor ao ver chegar o termo de seus dias. E a morte é consequência
fatal do tempo. Façamos, pois, para a felicidade da Terra, que o tempo não
passe mais para os homens, embora continue a passar para os outros seres que
povoam o Universo.
− Está bem, querida − respondeu
Izanaghi − Assim farei. Deste momento em diante, o tempo não mais passara para
os homens. Ficarão todos exatamente como estão, e permanecerão, assim,
inalteráveis, numa existência tranquila e feliz.
Izanaghi e Izanami continuaram a viver sob céu de Awadsi,
entre os rochedos de Sikoff.
Um dia, afinal, foram os deuses despertados por estranho
rumor. Grande multidão, em atitude de protesto, rodeava o palácio.
− Que deseja essa gente? − indagou Izanaghi.
Os jovens e adolescentes disseram:
− Senhor! A vossa decisão sobre o
tempo foi, para nós, um castigo tremendo. Se o tempo não passar, jamais
chegaremos a viver. Queremos que o tempo passe, para que possamos chegar à
idade de casar, constituir família − realizar, enfim, a nossa missão na vida e
dela tirar a nossa parcela de felicidade! Que adianta viver sem sentir passar a
vida?
Os homens de meia-idade também falaram ao Sétimo Deus:
− O tempo, senhor, continua
impassível para nós! Como é triste e monótona a vida que não passa! Queremos
ver o perpassar dos dias, pois alimentamos a ambição de apreciar os nossos
filhos crescidos, trabalhando felizes ao nosso lado!
− Também nós, senhor! − acudiram
os velhos − desejamos que o tempo passe. Torturados pelos achaques de nossa
idade, que pode valer a vida para nós? A nossa felicidade é o reflexo da
felicidade daqueles que amamos. Queremos que o tempo passe, pois só o passar do
tempo fará a alegria de nossos filhos e de nossos netos!
Arrebatado pelo desespero (que é
o maior dos erros), Izanaghi esqueceu-se de que a indulgência faz parte da
justiça. Tomado de vivo rancor contra os homens rebeldes, exclamou:
− Insensatos! Quereis que o tempo
passe para que possais viver cada momento iludidos pelas falazes esperanças do
futuro! A lembrança bondosa de minha esposa foi repelida pela ingratidão que
vive em vossos corações. Quereis que o tempo passe? Pois bem, o tempo passará!
E rematou:
− Mas o passar do tempo será
sempre ao contrário de vossos desejos, ao arrepio de vossas aspirações. Será
rápido e fugaz nas horas felizes e lento, muito lento, nos períodos de dor e
tristeza.
E o castigo dos deuses caiu impiedoso sobre os homens.
O tempo passa − esse foi o desejo
de todos; passa, entretanto, célebre e fugidio nas horas de alegria e felicidade;
vagaroso, tardo e torturante nos minutos infindáveis de angústia e sofrimento.
*****
Nota:
(1) Izanami − Todos os deuses
citados nesta lenda, faziam parte da mitologia dos primitivos habitantes do
Japão. Vide A. Humbert − “Le Japon”.
Fonte:
Malba Tahan no livro “Minha Vida Querida”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário