quinta-feira, 12 de setembro de 2019

O quadro, a beleza e a morte.



Num livro de Marcel Proust, ele retrata a morte de um personagem, o escritor Bergotte. Numa famosa passagem de Em Busca do Tempo Perdido, Bergotte vai a uma exposição de arte holandesa em Paris que, entre outros quadros, exibe Vista de Delft (acima), de Johannes Vermeer. Bergotte é um apaixonado pela Vista de Delft. Já a contemplou várias vezes, e em cada uma descobre coisas novas. Nesta, ele repara pela primeira vez nos pequenos personagens vestidos de azul, à esquerda da tela, e na cor rósea da areia em que pisam. Principalmente, fixa a atenção num pequeno pedaço de muro amarelo. O muro amarelo, aparentemente insignificante, no conjunto de um quadro que mostra um aglomerado de construção à beira do rio, o captura de modo irresistível. Seu olhar se fixa nele “como o de uma criança em uma borboleta amarela que deseja apanhar”. Sente então uma tontura, acomoda-se num banco e morre.

O personagem Bergotte morreu sob o impacto de uma emoção estética da obra predileta do artista predileta. Morreu do que chamamos de “morte ideal”.

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De uma frase de Rui Castro, 
com Texto de Roberto Pompeu de Toledo e ilustrado por Nilo Moraes.

A Vista de Delft é o chef-d'oeuvre de Vermeer. O quadro ficou ainda mais famoso por ter sido usado por Proust como símbolo da transcendência na Arte, no episódio da morte do escritor Bergotte.

Bergotte vai ver o quadro, exposto em Paris, para descobrir o “pequeno muro amarelo” descrito por um crítico como “tão precioso quanto uma pintura chinesa” e que Bergotte não conseguia ver nas reproduções.

Diante do quadro, Bergotte encontra a manchinha amarela e tem uma epifania, a revelação de que toda a obra dele não vale aquela mancha de pintura. O escritor tem um ataque e morre, rolando pelo chão da galeria.

Proust se baseou num episódio real. Ele mesmo foi ver o quadro (e a tal mancha amarela), mas teve uma tonteira forte, sentiu-se mal. Foi a última vez que Proust saiu de casa, passou o resto da vida na cama.

Os críticos não concordam sobre qual das manchas amarelas no quadro seria a de Bergotte e Proust. A discussão já rendeu vários livros. Há três fortes candidatas. Escolha a sua.


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