E o verbo se fez carne
Arte de Auracebio
Pereira
Quem não o conhece ou o vê de
longe nem acredita que o professor, doutor, escritor, ensaísta e multifuncional
Luís Augusto Fischer seja portador de um bom humor contagiante. No Guia de Sobrevivência do Gaúcho (Editora Belas Letras, 2014), ele nos
diverte muito com uma brincadeira séria. São dicas preciosas para gaúchos e não
gaúchos de todas as querências sobreviverem sem passar vergonha ao encarar a
Santíssima Trindade gaudéria: churrasco, chimarrão e causo. Na estreia da Degusta*, separamos o texto sobre a
origem do churrasco. Te arremanga e lê!
Chur-ras-co. A sonoridade da palavra já faz o vivente lamber os
beiços imaginando aquela lasca de carne quente aterrissando no prato, a costela
sendo desnudada a dentadas, o espeto recém-tirado do fogo desfilando na frente
dos olhos. Ahhh... Pois uma das origens atribuídas à palavra vem daí mesmo. O
dicionário da Academia Espanhola sugere que “churrasco” tem uma raiz onomatopeica,
ou seja, proveniente do som que a coisa faz, justamente daquele chiado gostoso
da gordura na brasa. Shhhhuuu... Rasssssk... Mais ou menos por aí.
A origem mais provável, porém,
não é tão poética, digamos assim. Vem do elemento fogo, sem o qual, obviamente,
não há churrasco. Tudo começa com os termos pré-românicos su (fogo) e harra ou karra (chama), sinônimos que,
combinados, geram o vocábulo basco sukarra
(fogo, chamas, incêndio; mais recentemente, significando também febre). Daí vem
o verbo socarrar, em espanhol, que
quer dizer queimar, tostar a superfície de algo ou mesmo carbonizar. No dialeto
espanhol falado em Múrcia e Alemeria, socarrar
vira chuscarrar. E na Andaluzia,
talvez até embaralhado por alguns goles a mais ou proferido por um ancestral do
Chaves (“Com é? E como eu disse?”) assenta como churrascar.
Põe-se então o saboroso verbo na
mala dos colonizadores espanhóis, espraia-se a palavra pela América platina e,
cruzando a fronteira, churrascar vai
parar na boca dos gaúchos brasileiros e se consolida na forma pós-verbal: churrasco. Literalmente, o verbo se fez
carne − e ainda se tornou programa sagrado nos domingos. Consagrado pelos
gaúchos, portanto, o churrasco depois ganha apelidos descolados − como
“pebolim”, que compara o manejo dos espetos com o giro das hastes no jogo também
conhecido com Fla-Flu (heresia!) − e, especialmente, o carinhoso e apetitoso
diminutivo: churras.
* Revista Degusta Valentina
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