segunda-feira, 16 de setembro de 2019

As Potreadas*



Coluna Prestes em passagem pelo Planalto Central.

Os militares de São Paulo, a princípio, não deram grande valor às montarias. Quando daí se afastaram. E depois da junção com os gaúchos, compreenderam o que representava o cavalo naquela marcha sem limites. O gaúcho, em combate, não faz muita questão da indumentária: duas camisas de xadrez, uma bombacha de lã, um par de botas de sanfona bastam para o seu conforto. Onde, porém, a vaidade se manifesta, é nos arreios de seu cavalo. Se acontece a montaria cair abatida pelo fogo do inimigo ou exausta pelo cansaço, o gaúcho desencilha o animal e carrega às costas os pesados arreios, até encontrar outra montaria. Daí terem-se desenvolvido as potreadas, epopeia de pequenas patrulhas, de cinco a quinze homens no máximo, que se afastavam em surtidas, por vezes de vários dias, à cata de animais, à notícia vaga de uma cavalhada num rincão distante, para voltarem trazendo os animais de que a Coluna necessitava. A audácia dos potreadores não encontra nada que se lhe compare, dizem os cronistas da Coluna.

João Alberto* e Moreira Lima* tecem o elogio, sem limites, dos potreadores, cujas correrias audaciosas enchiam os sertões de lendas, cada qual mais arrojada. Houve potreadas que não mais regressaram, aniquiladas pelo inimigo. Outras, percorreram centenas de léguas, até voltarem ao convívio dos companheiros. Há notícias, destacadamente, de três que atravessaram longas zonas até atingir a Coluna: a do sargento Menoti, que se apartou com dez homens, só voltando a se unir na fronteira de Mato Grosso, tendo perdido três companheiros em combate; a do capitão Euclides Krebis, com quinze homens, saída igualmente do norte de Goiás, reunindo-se já naquele Estado com quatro perdas; e do tenente Manuel Francisco de Sousa.

Potreador emérito era o tenente Manuel Francisco de Sousa − caboclo sergipano, o melhor comandante de M.P. da Coluna, cujas características de valentia, iniciativa e longa prática desse tipo de ação, foram maravilhosamente aproveitadas quando a Coluna precisou se internar na Bolívia, em fevereiro de 1927. Nessa ocasião foi designado o tenente Sousa, com uns 15 homens bem montados (a Coluna estava quase toda a pé, por essa época), a cumprir a tarefa de iludir as forças irregulares, largamente disseminadas pela região mato-grossense ao norte de São Luís de Cáceres, atacando-as, de surpresa, confundido-as sobre as intenções do grosso da tropa revolucionária, a fim de permitir sua emigração. Durante mais der uma dezena de dias, com vários encontros diários, marchando e contramarchando em diferentes rumos, o tenente Sousa desorientou inteiramente os agrupamentos irregulares colocados na fronteira Brasil-Bolívia, dando liberdade de ação à Coluna, que só foi molestada pela retaguarda.

Nem assim o tenente Sousa julgou concluída a sua missão. Mandou um emissário pedir licença ao chefe da Coluna para retirar-se do campo de luta. Só depois de obtida a permissão, atravessou a fronteira com seus bravos.

Um autêntico herói, companheiro de Prestes na Grande Marcha, o general Emídio Miranda, resumiu toda a epopeia das potreadas, na enumeração impressionante de suas missões:

Remontar, propriamente, a Coluna; suprir de gado bovino os destacamentos; desorientar e inquietar o inimigo, combatente ou não, com o seu aparecimento em toda parte e a todo momento; colher informações sobre o inimigo para facilitar aos comandantes da Coluna e dos destacamentos a tomada de suas decisões e maior liberdade de manobra

(Do livro “1926 A Grande Marcha” de Hélio Silva)

*João Alberto Lins de Barros (Recife, 16 de junho de 1897Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 1955) foi um militar e político brasileiro. Além de ter participado da Revolta Paulista de 1924 e da Coluna Prestes,

*Lourenço Moreira Lima foi um advogado e guerrilheiro brasileiro, responsável pelos registros dos fatos ocorridos durante a marcha da Coluna Prestes pelo país, durante meados dos anos 1920.

*Potrear: arrebanhar (gado e cavalo), com violência, do campo do proprietário sem consentimento deste. Essa prática era comum, durante as revoluções, as operações militares. 



Coluna Prestes no interior do Brasil


Coluna Prestes - soldados


Líderes da Coluna Prestes




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