domingo, 30 de maio de 2021

Como nasce um fofoqueiro

 

Fabrício Carpinejar

O fofoqueiro não nasce levantando o gancho do telefone para ouvir a conversa alheia. 

O fofoqueiro não nasce captando o que se fala atrás da porta. 

O fofoqueiro não nasce fazendo perguntas indiscretas para depois passar adiante. 

O fofoqueiro não nasce na janela do condomínio prestando atenção em quem entra e sai no prédio. 

O fofoqueiro não nasce registrando os papos paralelos nos restaurantes e bares. 

O fofoqueiro não nasce no salão de beleza, no supermercado, nos corredores dos shoppings. 

O fofoqueiro não nasce no churrasco dos domingos. 

O fofoqueiro não nasce ao espalhar o que não tem certeza. 

O fofoqueiro não nasce de sua maldade na escola, da língua solta no recreio. 

O fofoqueiro nasce muito antes. Muito antes. 

Descobri quando nasce o fofoqueiro, o exato instante em que ele vem à tona, o momento em que sua alma solitária passa a ser enxerida, em que perde a admiração pelo respeito e silêncio e torna-se um agente do ruído. 

Quando seus pais deixam o filho dormir no meio deles. 

Quando os pais permitem que seu filho durma por longo período na cama de casal. 

Quando seus pais não colocam o filho de volta para seu quarto, sensibilizados pelo medo ou pela chantagem emocional. 

A criança aprende que pode se meter na vida dos outros. É autorizada a estar infiltrada na intimidade, apropriando-se do que não é dela. Não recebe nenhuma negativa para estabelecer limites. Age pelo impulso da emoção, inconsequente, pois seus caprichos acabam atendidos com rapidez. Ficará eternamente confusa sobre onde começa e termina sua liberdade. Pois toda casa é seu berço, todas as pessoas são influenciadas por ela. Não diferencia o coletivo do particular. Percebe que a manha é uma moeda e que mentir sempre funciona para conseguir o que quer. 

Não é inspirada a respeitar os espaços, a consolidar sua solidão, a manter seus segredos e territórios da imaginação. Por mais bem-intencionado que seja o acolhimento, é um convite para a especulação emocional. Num simples ato de aceitar que o filho não descanse em seu quarto, validamos que seja penetra das confidências. Tem um passaporte para chegar a qualquer hora, a qualquer momento, e interferir nos acontecimentos. Acostuma-se a não ter um lugar, e assumir papéis que não são seus. 

O fofoqueiro é o resultado da insegurança dos pais.

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