sexta-feira, 7 de maio de 2021

Telha de Vidro

 

Quando a moça da cidade chegou
veio morar na fazenda,
na casa velha...
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha...

A moça não disse nada,
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro...
Queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade...

Agora, o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda,
tão claro que, ao meio dia, aparece uma
renda de arabesco de sol nos ladrilhos
vermelhos,
que
- coitados - tão velhos
só hoje é que conhecem a luz do dia...

A luz branca e fria
também se mete às vezes pelo clarão
da telha milagrosa...
Ou alguma estrela audaciosa
careteia no espelho onde a moça se penteia.

Que linda camarinha! Era tão feia!

- Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta, fria, sem um luar, sem um clarão...
Por que você não experimenta?
A moça foi tão vem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!
  

Rachel de Queiroz 

Nasceu em Fortaleza - CE, 17 de novembro de 1910,

faleceu em 04 de novembro de 2003, na cidade do Rio de Janeiro.


Nenhum comentário:

Postar um comentário