quinta-feira, 13 de maio de 2021

O dom do esforço

 Nilson Souza*

Outro dia uma leitora pra lá de generosa me cumprimentou por uma crônica e pelo “dom’ de escrever. Agradeci, evidentemente, mas, com a devida delicadeza, esclareci que não tinha dom algum. Escrever, decididamente, não é um dom. Ninguém nasce com essa habilidade, até mesmo porque quem escreve profissionalmente precisa passar por processos de aprendizagem que podem ir da alfabetização aos macetes da escrita criativa. 

Nem mesmo o nosso cronista mais talentoso, Luis Fernando Veríssimo, veio ao mundo com esse suposto dom. Aliás, é dele um dos comentários mais criativos sobre a arte de juntar letrinhas: “Escrever bem é escrever claro, não necessariamente certo. Por exemplo: dizer ‘escrever claro’ não é certo, mas é claro, certo?”. 

Talento é outra coisa. É uma habilidade natural que pode ser aperfeiçoada, quase sempre à custa de muito esforço e persistência. Já talento sem aplicação vira desperdício. Em qualquer área. Com raras exceções, os artistas e atletas mais talentosos são também os que mais se preparam para as suas atividades. 

Escrever bem, na minha visão, é uma habilidade adquirida. E está ao alcance de qualquer pessoa. Basta querer, tentar e praticar muito. Escreve bem quem pensa bem. Escreve bem quem lê bastante. Escreve bem quem escreve, reescreve e tem humildade para se corrigir, para cortar palavras, para procurar os termos mais adequados à mensagem que deseja transmitir. 

Simples assim. E a simplicidade é essencial para a boa comunicação. Em primeiríssimo lugar, o que você quer dizer e para quem. Um dos meus primeiros professores de jornalismo, o saudoso Ernesto Corrêa, dizia: 

− Lembrem-se que você está escrevendo para ele (o leitor). 

Se a pessoa do outro lado da mensagem não entendeu o que você quis transmitir, é a mensagem que precisa ser adequada ao entendimento dela. Mário Quintana estava brincando ao dizer que quando alguém pergunta a um autor o que ele quis dizer é porque um dos dois é burro. 

O poeta não conheceu esse nosso mundo de redes sociais. Hoje, quando alguém escreve e o outro fica em dúvida, o burro é sempre o corretor ortográfico. 

(*Na sua coluna em Zero Hora, 13 de maio de 2021) 

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