segunda-feira, 10 de maio de 2021

Poemas de Arnaldo Antunes

 

Cultura 

O girino é o peixinho do sapo.
O silêncio é o começo do papo.
O bigode é a antena do gato.
O cavalo é pasto do carrapato.

O cabrito é o cordeiro da cabra.
O pescoço é a barriga da cobra.
O leitão é um porquinho mais novo.
A galinha é um pouquinho do ovo.

O desejo é o começo do corpo.
Engordar é a tarefa do porco.
A cegonha é a girafa do ganso.
O cachorro é um lobo mais manso.

O escuro é a metade da zebra.
As raízes são as veias da seiva.
O camelo é um cavalo sem sede.
Tartaruga por dentro é parede.

O potrinho é o bezerro da égua.
A batalha é o começo da trégua.
Papagaio é um dragão miniatura.
Bactérias num meio é cultura.
 

Os buracos do espelho 

O buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar aqui
com um olho aberto, outro acordado
no lado de lá onde eu caí

pro lado de cá não tem acesso
mesmo que me chamem pelo nome
mesmo que admitam meu regresso
toda vez que eu vou a porta some

a janela some na parede
a palavra de água se dissolve
na palavra sede, a boca cede
antes de falar, e não se ouve

já tentei dormir a noite inteira
quatro, cinco, seis da madrugada
vou ficar ali nessa cadeira
uma orelha alerta, outra ligada

o buraco do espelho está fechado
agora eu tenho que ficar agora
fui pelo abandono abandonado
aqui dentro do lado de fora


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