Mello tinha mandado derrubar uma parede do escritório, e atrás dela descobriu uma garrafa velha, com uma forma estranhíssima. Quando ele tentava tirar a poeira da garrafa, ela fez “puf!” e um sujeito apareceu do nada.
Executivo experimentado e acostumado a avaliar pessoas num relance, o Mello percebeu logo de cara que o “aparecido” era suspeito, porque não estava usando o crachá de visitante. Mas, fora isso, era até uma figura normal: terno e gravata, sapato combinando com o cinto, abotoaduras douradas, turbante, meias da cor da camisa... Opa, turbante?!
− Eu sou o gênio da garrafa, e vou atender a um desejo seu.
Se não estivesse sonhando, o Mello acharia que aquilo era alguma gozação do pessoal do quinto andar. Mas, como pesadelo tem dessas licenças poéticas, o Mello respondeu:
− Um desejo? Mas não são três?
− Costumavam ser três − o gênio desengarrafado explicou. Mas a direção da empresa dele havia feito um downsizing no quadro de gênios para melhorar a produtividade sistêmica. Então o serviço acumulou, e alguns desejos estavam com o prazo de entrega estourado. Por isso, só ia dar para atender a um.
− Então tá − o Mello falou. − Eu quero 1 milhão de dólares.
− Não é uma boa ideia... − o gênio ponderou.
− Sou um gênio consultivo. Meu cartão. E, antes de mais nada, você precisa assinar este contrato de “Prestação de Serviços Geniais”. Todas as cinco vias, por gentileza. Um gênio consultivo − o Mello ficou sabendo enquanto assinava o contrato, era diferente desses gênios mambembes que andam por aí e que viram fumaça depois de atender ao desejo. Gênios consultivos são comprometidos com os resultados, e por isso têm de primeiro entender as necessidades do cliente, para depois desenvolver e apresentar uma proposta que maximize a solução mais viável para cada caso específico.
− Como você alocaria o milhão de dólares? − o gênio perguntou para o Mello.
− E eu sei lá? Com todo esse dinheiro, eu nunca mais vou me preocupar com alocações.
− Engano seu. Antes de atender a seu desejo, precisamos elaborar um cronograma de investimentos e um cash flow descontado para os próximos 20 anos. Você está pensando em aplicações de alto ou de baixo risco? Local ou offshore?
− Offsh... Escuta, não dá para você me dar logo o meu milhãozinho, e depois eu resolvo?
− De jeito nenhum. Temos um nome a zelar no mercado. Posso lhe fazer uma sugestão?
− Bom, o gênio aqui é você!
− Não peça dinheiro. Peça debêntures conversíveis em ações. Tenho aqui uma dica de uma empresa cujas projeções de médio prazo indicam que o Ebitda...
− Hã?
− Ebitda. Earnings Before Income...
− Eu sei o que é Ebitda! Não é esse o ponto!
− Claro que não. O ponto é se as projeções irão se materializar após o turnaround.
− Não! O ponto é que você está complicando meu desejo! O que eu quero é simples. Uma milha! Uma verdinha em cima da outra, e pronto!
− Você teve muita sorte de eu ser um gênio consultivo, e não um gênio picareta, como há muitos no mercado atualmente. Você tem ideia de quanto é 1 milhão em cash? Mesmo descontando os impostos...
− O quê? Eu ainda vou ter de pagar imposto?
− Claro. Mas não se preocupe. Um gênio associado lhe dará todas as coordenadas para o recolhimento. E ainda há a nossa comissão. Dezoito por cento. Sobre o valor bruto.
− Mas ai não sobra nem metade do dinheiro!
− Correto. E do valor líquido serão deduzidas as despesas extraordinárias, abatidas em parcela única.
− Despesa? E gênio tem despesa?
− Gênio consultivo tem. Você não leu o contrato antes de assinar?
− Não! São quase 100 páginas! Só me diz: no fim das contas, quanto vai me sobrar?
− É difícil calcular antes de comprarmos o sistema de informática e instalarmos o software tailor-made. Mas eu estimaria algo entre 70.000 e 100.000 dólares.
− Mas eu não preciso de sistema, nem de software!
− Sinto, mas está no contrato. Página 49. É inegociável. Além, lógico, dos custos para acompanhamento posterior ao atendimento do desejo, que nós chamamos de “pós-venda in loco”. Designaremos um GJ, Gênio Júnior, para lhe dar toda a assistência técnica e jurídica necessária. Os detalhes estão na página 74.
− Mas isso vai torrar o resto do dinheiro. Nesse caso, aumenta aí meu pedido para 2 milhões!
− Hmmm... Ok, tudo bem. Nosso gênio especializado em webdesign havia mesmo solicitado um reforço na verba, para turbinar o site.
− Que site?
− O seu. Mello Dias ponto-com. Imprescindível para a venda de violinos via Internet.
− Eu não quero vender violino pela Internet!
− Ai, meu São Eugênio, padroeiro dos gênios! Você tem de diversificar, entende? Abrir novas perspectivas. Avaliar cenários. Assumir que seu portifólio atual vai ficar obsoleto.
− Mas eu não tenho portifólio nenhum. Sou um diretor de uma empresa que vende xampu! Olha, quer saber, esquece o milhão! Me dá só um cafezinho, volta pra garrafa e estamos conversados!
− Açúcar ou adoçante?
− Açúcar!
− Não é uma boa ideia...
Moral:
Só tem uma coisa pior que sonhar com gênio
que pensa que é consultor.
É ter de conviver com consultor que pensa que é
gênio...
(Autor desconhecido)
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