segunda-feira, 25 de abril de 2022

O jeans

 que era sonho de consumo dos jovens da década de 1960 

A busca pelo desbotado nas calças quebrava os parâmetros da época 

Ricardo Chaves

Talvez eu já tenha contado aos leitores do Almanaque Gaúcho, mas vale recordar. Quando eu, por volta dos 12 anos, fiz as provas para ingressar na Escola Técnica Parobé. Prestei o que, na época, era chamado de exame de admissão. Era uma espécie de vestibular de passagem do ensino primário para o ginásio.  

Desse momento, lembro de duas coisas: a primeira é que foi a minha melhor performance escolar, eram 800 candidatos e fui classificado em 11º lugar, um feito grande para alguém que nunca teve reputação de bom aluno; a segunda é que compareci para o primeiro dia de provas vestindo calças curtas! O termo bermuda (especialmente para uso masculino) só se tornaria comum muito tempo depois. Entre as centenas de estudantes, eu era o único com as pernas expostas. Baita mico, concluí, constrangido. 

Cedendo ao meu apelo patético, minha mãe Nilce tratou de comprar (urgente) uma calça Far-West, do afamado Brim Coringa (lançadas em 1956), para que eu usasse no segundo dia da competição escolar. Acho que todo mundo da minha idade, um dia, usou uma calça como essa. 

Era uma peça tosca e resistente para o uso diário e, segundo o fabricante, tinha uma grande vantagem: não encolhia a cada lavagem. Era coisa para guri ou trabalhador, ninguém se atreveria a usar para sair ou frequentar a missa de domingo. 

Mas, quem diria, quando Elvis Presley e James Deam começaram a aparecer nas telas de cinema usando jeans, a moda pegou. 

Ter uma legítima calça jeans americana passou a ser sonho de consumo da juventude. Poderia ser Levi's, mas as preferidas eram as da marca Lee. Qualquer esforço valia a pena para conseguir uma. Pilotos traziam na sua bagagem para revender; marinheiros traziam a bordo de navios; contrabandistas tratavam de enganar a alfândega para comercializar a preciosidade. 

E, aí, houve uma quebra de parâmetros. Se as calças, de outros tecidos, deviam ter um vinco marcado − frisar uma calça Lee era uma gafe imperdoável. Mais que isso: se, na virada da década de 1960 para 1970, havia propaganda de calças prontas que “não desbotavam e nem perdiam o vinco”, nos jeans se almejava exatamente o contrário. Uma calça Lee nova era legal, mas, se comparada a uma já gasta e desbotada, perdia longe. Havia até mesmo técnicas para anular a forte goma que quase impermeabilizava o tecido e para provocar um desbotamento “natural”.  

Logo surgiram as que se propunham a ser similares. Topeka, U S Top, entre outras. Essa última chegou a marcar a época da ditadura, lançando um slogan que mais parecia uma ironia: “liberdade é uma calça velha, azul e desbotada”. 

O fato é que o jeans veio para ficar. É verdade, também, que, no presente, está muito além do desbotado comportado dos anos de 1960 e 1970. Cortar uma velha calça Lee, transformada em bermuda, obviamente, sem fazer a bainha para permitir que se desfie, já não soa sequer como ingênua transgressão. Fico pensando o que meu avô acharia dos atuais (e já quase ultrapassados) jeans “destroyed”, rasgados, furados, puídos... 

Daria qualquer coisa para ouvi-lo... 

Colaborou Jorge Silva 

(Do jornal Zero Hora. abril de 2022)

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