Eunice Jacques
Pega-se um quilo de farinha de trigo
especial, um ovo, uma colher de sopa de açúcar e outra, de igual tamanho, com
sal.
Debruçada no desafio, me vejo a fazer
meu primeiro pão. A receita havia anotado enquanto Nietta fazia o seu próprio
pão para me ensinar como era. Há tempos me surgiu essa vontade, de produzir o
alimento bíblico, de fazê-lo com as minhas próprias mãos.
(E te dar, meu amor do desde sempre,
como alimento o trigo que em algum lugar colhi com o meu afeto.)
Depois, prepara-se um leite morno e
esperto e esfarelam-se dois tabletes de fermento.
(Dois, paixão, são dois. Nem
precisaria de um para meu carinho crescer quando tão seguido penso em ti.)
Também é necessário meia
xícara de óleo.
Tudo vai para uma bacia onde, por
final, se coloca o leite até grudar.
(Já te falei que a minha vida está
presa à tua?)
Então, é preciso botar a mão na
massa, literalmente. E sovar, e virar, e bater. E a massa vai ganhando
contornos e aparências e resultados. E eu me encanto de ver o que produzo.
Percebo que existe um bocadinho de farinha
na minha roupa e me preocupo com as mãos ocupadas, que são as minhas.
(Seria bom se já estivesses perto para tirar
toda essa poeira da minha saudade.)
Em seguida é preciso cobrir a massa e
deixar que cresça, que dobre o próprio volume.
(Queres saber? Hoje já te quero o
dobro do que te queria ontem.)
Quando essa parte se completa, é
obrigatório dividir aquele inchado monte em três e trabalhar cada parte
separadamente.
(Ah, isso é difícil. Como posso dividir
em três um afeto que é único e exclusivo e indispensável?)
Então, cada gordo pedaço vai para
fôrmas untadas, deixando espaços entre a massa e o alumínio para que ela
duplique de tamanho outra vez.
Dá-se um tempo para esse
acontecimento e, mais tarde, liga-se o forno e se deixa que aqueça. O calor não
pode ser muito forte, e nem pode ser muito fraco.
(Ora, isso eu não compreendo. Como
posso ser tão fraca se te amo assim tão forte?)
Tão logo estejam cozidos, tomam-se os
pães multiplicados, esparge-se água bem em cima, ou um lambuzado de gema. O
alimento está pronto.
(O perfume fresco e quente da obra
que terminei de fazer me atinge com intensidade da vida. E escolho o pão que te
darei para comer, fatia por fatia lambuzada de geleia, na parte ainda melhor da
minha própria receita.)
(Crônica do jornal
Zero Hora, publicada em 1996)
Que bonita forma de expressar o Amor!
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