terça-feira, 11 de janeiro de 2022

Anti-intracepção

 Por Daniel Feix

Os clássicos estudos sobre a psique do autoritarismo que pesquisadores liderados por Theodor Adorno conduziram nos EUA entre 1944 e 1950, ao fim da Segunda Guerra Mundial, buscam entender o que leva as pessoas a aderirem ao discurso e às práticas antidemocráticas. A pesquisa é extensa: inclui centenas de entrevistas e vários artigos analisando seus resultados, cujas publicações, no Brasil, se deram de maneira esparsa. Isso até 2019, quando a Editora da Unesp reuniu suas partes mais significativas em um livro de 600 páginas intitulado Estudos sobre a Personalidade Autoritária. 

Tais estudos enumeram variáveis comportamentais que nos tornam propícios ao autoritarismo. Entre essas variáveis estão características que parecem óbvias, como “atitude submissa e acrítica diante de autoridades morais”, “adesão rígida a valores convencionais” e “hostilidade generalizada com forte desprezo pelo humano”. Outras podem causar surpresa: “preocupação exagerada com o sexo”, “disposição para acreditar que coisas tresloucadas e perigosas acontecem no mundo” e “crença em determinantes místicos do destino individual”. Ou seja, é possível afirmar que, em parte, o autoritarismo se origina de paranoias, inclusive e talvez, sobretudo, de caráter sexual. 

Chamo a atenção para outra dessas características, que Adorno e seus parceiros chamam de “anti-intracepção”. Trata-se do combate à intracepção, ou seja, o combate à imaginação, ao pensamento e à subjetividade que são inerentes ao ser humano. Para repetir as palavras dos pesquisadores, “impaciência” e “oposição” à imaginação, ao pensamento e à subjetividade. Uma rejeição, que advém do medo daquilo que o conhecimento e o mergulho na intimidade podem desvelar. 

A anti-intracepção inclui o desprezo e a raiva diante do que é despertado pela arte, do que é propiciado pela educação, do que é revelado pela ciência. Vale lembrar que se está falando de propensão ao autoritarismo, de modo que até é possível crer na arte, na educação e na ciência e, ainda assim, aderir ao discurso e às práticas antidemocráticas. Porém, a descrença na imaginação e no pensamento é a variável comportamental que nos torna mais propícios ao autoritarismo. Combinando essa com outras variáveis listadas, a propensão aumenta, apontam os autores da pesquisa. 

Assim sendo, a adesão às paranoias, vinda de quem despreza o humano e defende valores convencionais, ainda mais ligados aos comportamentos sexuais, potencializa sobremaneira a propensão autoritária. E eu insisto: o receio do conhecimento (e do autoconhecimento) faz parte do pacote. É mais fácil negar a arte, a educação e a ciência se há temor do que estas podem indicar. 

Assim como é mais fácil negar a própria pesquisa de Adorno e seus colegas, se ela por acaso provocar algum incômodo. 

(Do Blog GZH) 

P.S. 1: Por acaso há, no Brasil, alguém assim? Você já votou em alguém assim?

P.S. 2: Quem quiser entender a personalidade oculta do negacionista, do mal−educado, do fanfarrão, do armamentista, assista ao filme na NETFLIX chamado “Ataque de cães”, onde um vaqueiro grosseiro é o próprio falso dono da verdade, o que ataca todo mundo para se autoafirmar. Toda a agressividade dele fica a cargo de algo mal resolvido no seu passado. O falso macho, para ocultar o que está no fundo da sua alma, banca aquilo que não é e nunca irá ser: um ser humano com empatia por outro ser humano.

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