quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Louco de estimação

 Fabrício Carpinejar

 

Todo mundo tem um amigo louco de estimação, capaz de despertar a valentia de viver. 

É o amigo da ousadia. O amigo do avesso. O amigo que usará o casaco pelo lado do forro, somente para testar como ficou. O amigo de meias espalhafatosas. De sapatos brilhantes. 

O amigo que acredita na liberdade de tomar banho de chuva, de entrar num chafariz, de pular na piscina com roupa. Aquele que pisa na grama proibida e ainda organiza um piquenique. 

O amigo da transgressão afetuosa, aquele que muda os limites de lugar, que não passa a mão em sua cabeça, que traduz as suas verdades engasgadas, que oferece um copo de água para engolir os desaforos. 

O amigo que é o primeiro a colocar uma fantasia para o Carnaval, que puxa o bloco, que dá nome para todo encontro, que aluga uma residência na praia para reunir a turma antiga. 

O amigo que conversa com os garçons, que chora na hora de fechar a conta num bar, que antecipa saudades, que confessa amor eterno, que fica comovido com despedidas, que não pode ver um cachorro abandonado senão leva para casa. 

O amigo que não tem festa ruim, que diz que uma cerveja morna ainda é melhor do que uma quente. 

O amigo que é mais criança do que as crianças, que não vê nenhum mal em dançar na rua ou iniciar coreografias no meio da multidão. 

O amigo de olhos e boca abertos para as confissões. O amigo da serenata, do carro de som, do aniversário-surpresa. 

O amigo que faz com que ninguém compreenda como vocês são amigos, de tão diferentes que são. 

O amigo motivador, incentivador, veterano de esperança, que sofre sozinho, que guarda as suas lágrimas para o chuveiro. 

O amigo que não conhece as faces coradas da vergonha, que não teme distâncias, que atravessa o país num fusca. 

O amigo do riso fácil, farto e franco, aquele que não tem horários para dormir ou levantar, que pode amanhecer com trago e beber café para dormir. 

O amigo que é o seu leão de chácara diante das adversidades e um gatinho manhoso diante da própria mãe. 

O amigo que nunca vota em trânsito, toma o seu partido mesmo quando você está errado. 

O amigo que começará um romance não temendo as consequências e vai namorar sempre a pessoa errada, aquela que odeia a sua irreverência. 

O amigo que grita quando a lógica é o cochicho, que se levanta no momento de ficar sentado, que tem uma eletricidade acima da média. 

Proteja esse amigo sem meias-palavras e de abraços inteiros. Porque dá gosto dividir a realidade com quem entende a nossa loucura. 

(Do Blog GZH)

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