sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Uma entrevista para entrar para história universal da infâmia

 

Por que Bolsonaro faz mal à saúde 

Rosane de Oliveira 

Quando se imagina que o presidente Jair Bolsonaro já fez tudo o que podia para sabotar o trabalho do Ministério da Saúde e dos cientistas, eis que o capitão reaparece em alguma rádio ou televisão do Interior ou no cercadinho de Brasília para afrontar a ciência e espalhar ignorância. Qual a última de Bolsonaro? Uma entrevista à TV Nova Nordeste de Pernambuco. 

Do alto de sua ignorância em assuntos de saúde, o homem que desgoverna o Brasil lamentou a aprovação, pela Anvisa, da vacina para crianças de 5 a 11 anos e recomendou aos pais que, antes de vacinar seus filhos, conversem com os vizinhos. Você entendeu bem: com os vizinhos. 

Na visão tortuosa do presidente da República, um vizinho que se informa pelo WhatsApp sabe mais sobre vacina do que pesquisadores que se dedicam a vida inteira a estudar e desvendar os mistérios da biologia. A entrevista começou atravessada e só piorou − o que não é de todo mau, porque os brasileiros que passaram 27 anos sem prestar atenção no que dizia o deputado Jair Bolsonaro precisam saber o que ele pensa.  

− Qual o interesse das pessoas taradas por vacina? − perguntou Bolsonaro. 

Salvar vidas, responderão 99 de cada 100 médicos, lembrando que foi por elas que saímos do pesadelo de mais de 2 mil mortes por dia. 

O presidente disse que os pais de crianças não devem se deixar levar “propaganda”. Para piorar, afirmou desconhecer que alguma criança tenha morrido de covid-19. Foram 308 em 2020 e 2021, segundo o próprio Ministério da Saúde. Para piorar um pouco mais, acrescentou esta pérola: se morreu alguma, era porque tinha outro problema grave. 

Nas entrelinhas, o que o presidente está dizendo pode ser classificado como eugenia. É cruel sugerir que uma criança com problemas de saúde esteja predisposta a morrer de uma doença capaz de ser evitada pela vacina. 

O dado, além de tudo, é falso. Não existe em nenhuma publicação do Ministério da Saúde alguma informação dizendo que essas crianças tinham outras doenças. Dados da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização da Covid-19, órgão do Ministério da Saúde, mostram que já foram registrados mais de 6 mil casos e 308 mortes desde o início da pandemia. 

Palavras do presidente que há dois anos bate de frente com os cientistas: 

− A Anvisa, lamentavelmente, aprovou a vacina para crianças entre 5 e 11 anos de idade. A minha opinião, quero dar para você aqui: a minha filha de 11 anos não será vacinada. E você tem que ler o que foi feito ontem no Ministério da Saúde, o encaminhamento disso daí, para você decidir se vai vacinar o seu filho de 5 a 11 anos ou não. 

Outro trecho da entrevista à TV pernambucana merece entrar para a história universal da infâmia: 

− Então eu peço, como se trata de crianças, não se deixe levar pela propaganda. Converse com os teus vizinhos. Quanto garoto contraiu covid e não aconteceu absolutamente nada com ele? Quando morre um garoto que contraiu covid, geralmente, que isso é quase, eu desconheço, mas existe com toda a certeza um moleque que morreu em função da covid, mas é uma pessoa que tinha algum problema de saúde grave, ou era muito obeso, ou tinha alguma outra comorbidade qualquer. 

(Em Zero Hora, janeiro de 2022)

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