segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

A Guerra

 Leon Eliachar*

A humanidade divide o seu tempo em duas partes: guerra e paz. Durante a paz, vive discutindo a guerra e durante a guerra vive implorando a paz. A guerra foi inventada por um sujeito que morreu na guerra. A paz ainda não foi inventada. Há vários tipos de guerra: a guerra fria, a guerra quente, a guerra morna, a guerra requentada e a guerra propriamente dita: dessa ninguém escapa, porque todo mundo é convocado antes mesmo de começar a guerra. Antigamente, a guerra era feita a pé: quando os soldados chegavam no país inimigo a guerra já tinha acabado. Hoje, a guerra é mais ligeira: basta apertar um botão que ela começa e acaba ao mesmo tempo − e quando acaba não se encontra nem o botão. Durante a paz, os homens se preparam para a guerra, construindo tanques, aviões, submarinos, foguetes, táxis e ônibus elétricos. Quem foge da guerra se chama desertor, quem fica se chama herói. O desertor foge da guerra pra não morrer nas mãos do inimigo, mas acaba morrendo nas mãos do amigo: é fuzilado. O fuzilamento é um processo de matar o sujeito que escapa da guerra − ao invés de morrer distraído, morre prevenido. Antes de ir pra guerra, os médicos submetem os soldados a um exame físico completo: quem tiver boa saúde, pode ir e morrer tranquilo. Quando o homem se matricula na guerra, recebe um uniforme: quando entra na guerra, pinta o uniforme todinho pra ninguém ver que ele está de uniforme. Existem guerras famosas: a de 14, porque sobraram catorze; a dos Cem Anos, que quando acabou só tinha velhinho, e a de 39 − que todo mundo pensa que acabou. Antigamente, se fazia a guerra com baioneta calada, mas isso foi no tempo do cinema mudo. Hoje, a baioneta não só fala, mas também canta − como se pode ver nos musicais de Hollywood. Muitos combatentes são considerados malucos porque voltam pra casa com psicose de guerra, mas os psiquiatras não se preocupam a mínima com a psicose de paz − que é muito pior. E, por incrível que pareça, o soldado mais conhecido da guerra é o soldado desconhecido.

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*Do livro “O Homem ao Zero”, de sua autoria.

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