Era uma vez...
Por José Antônio Moraes de Oliveira*
Existe um velho provérbio ensinando que as palavras são levadas pelo vento − e esquecidas. Acontece quando somos obrigados a ouvir longos monólogos de uma pessoa desinteressante ou em uma aula rotineira de um professor que desistiu de ensinar. Para o escritor Mark Twain, são palavras soltas, sem dono nem destino. Que, ao mesmo tempo, dizia que determinadas frases e palavras ficam cristalizadas em nossa memória afetiva, embora adormecidas pela maior parte do tempo. Ele fala do que ouvimos do pai e da mãe na infância, mas que só lembramos quando é muito tarde.
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Alguns pensadores modernos escreveram sobre as lições de vida que, ao longo do tempo, os pais tentam repassar aos filhos − nem sempre com sucesso. Os mais antigos gostavam de exemplos de castigos bíblicos ou ameaçavam com bichos-papões e diabinhos malvados. Um folclore inesgotável de sabedoria humana, com altas doses de imaginação. Tema explorado em contos e novelas, como em Gilbert Keith Chesterton, Cormac McCarthy ou Robert Fulghum. Eles nos advertem que crianças costumam adquirir suas próprias verdades, mesmo sem saber o que fazer com elas. Mark Twain dizia o mesmo em um aforismo:
“Não precisamos dizer às crianças que existem dragões.
Elas já sabem disso.
O que elas precisam aprender
é que os dragões são vencidos pelos heróis.”
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Não é de hoje que os mais novos pensam que sabem mais do que os seus velhos. O resultado é que raramente dão valor às pequenas pérolas que lhes são oferecidas nas aulas do dia a dia. Cansados, os pais recorrem à ironia e sarcasmo para economizar as palavras. Quando a paciência chega ao fim, vem a sentença:
“Vai ser assim porque eu disse e ponto final”.
Ou a advertência assustadora:
“Se caíres da escada e quebrar o pescoço,
vais perder a festa de sábado.”
Às vezes, existe uma escolha:
“Se continuar choramingando,
vou te dar um motivo para chorar de verdade.”
As mães sabem prever o futuro:
“Espera só até chegarmos em casa.”
Outras esperam pelo impossível:
“Feche a boca e tome sua sopa.”
Ou tentam lições de genética:
“Deste jeito, quando cresceres vais ficar igual ao teu pai.”
E as que confiam em milagres:
“Não saio daqui até que este espinafre desapareça do prato.”
Ou invocam Peter Pan:
“Se não comeres vegetais, nunca vais crescer.”
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Já o norte-americano Robert Fulghum é mais otimista, oferecendo fábulas de otimismo:
“Somos todos um pouco estranhos. A vida é muito estranha. Assim, quando encontramos alguém cuja estranheza é compatível com a nossa, vamos nos juntar e permanecer nessa esquisitice mutuamente satisfatória, a que chamamos de amor.”
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Voltando à Mark Twain − ele acreditava que, de tudo que ouvimos do pai e da mãe, existe algo que jamais desvanece, guardado entre as mais profundas lembranças − palavras sussurradas que começam assim:
“Era uma vez...”
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* José Antônio Moraes de Oliveira é formado em Jornalismo e Filosofia. Atuou em jornal em A Hora, Jornal do Comércio e Correio do Povo. Trocou o jornalismo por publicidade, redigindo anúncios na MPM Propaganda. Diretor de contas internacionais, morou por anos na ponte aérea Porto Alegre/ São Paulo/ Rio/Miami/New York. Foi diretor de Comunicação do Grupo Iochpe e co-fundador do Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão). Atualmente, reside na Serra gaúcha.
(Do Blog coletiva.net)
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