quinta-feira, 21 de julho de 2022

Abraçadeiro

 Fabrício Carpinejar

Sou poeta porque a profissão que realmente desejava ainda não existe, ainda não foi inventada. Cheguei cedo demais no mercado de trabalho. 

Eu gostaria de ser “abraçadeiro”, de me graduar em oferecer abraços. 

Carecemos de uma universidade que promova tal especialidade, reunindo professores ternos, pacientes e acolhedores para ensinar todos os tipos de abraços da existência: o da alegria, o do choro, o da despedida, o da contenção da raiva, o do suspiro, o do apego, o do desarmamento da vingança. 

No curso, haveria cadeiras de Ética, de Saudade, de Consolação, de Gentileza, de Saúde Emocional, de Terapia Familiar, de Manutenção da Amizade e de Vínculos, de Gerenciamento de Crises, de Psicologia Amorosa. 

Seriam estudados e aprendidos abraços para confortar dores, para amparar perdas, para ressuscitar trajetórias, para salvar vidas. 

Um abraço não pode ser dado de qualquer jeito. Exige pegada, curva, uma demora do rosto no cangote. 

Não pode ser empurrão. Não pode ser com a metade do corpo, ou com o corpo enviesado. Não se pode deixar um braço de fora. Não se pode confundir as costas do outro com porta, dando socos e batidas fortes. Não pode sufocar. Não pode oprimir. Não pode machucar. 

Abraço bom é a arte de ser leve num breve instante para permanecer sempre na memória. 

Requer, pelo menos, a duração de três minutos. O tempo de respirar junto. O tempo de emparelhar os batimentos cardíacos. O tempo de se enxergar importante, benquisto. O tempo de o cheiro da pessoa se misturar ao seu próprio perfume. 

Trata-se de um colo de pé, de uma cabana. 

É aquele momento em que você não precisa dizer nada. É aquele momento em que você não precisa se preocupar com a aparência. É aquele momento em que você se solta no ombro de alguém, e se reabastece, e reencontra a confiança em si para confiar no seu destino. 

Tudo o que você não chorou sozinho, diante de um abraço, você chora. Tudo o que você não conseguiu rir sozinho, diante de um abraço, você ri. 

O abraço cicatriza. Pois você se sente amado. Pois se sente compreendido. Pois se sente protegido. 

É um curativo, são os primeiros socorros da empatia. 

E nem depende de palavras. Quando não souber o que dizer, abrace. Você ajudará sem perceber, você será ajudado sem ter confessado nada. 

Quantos dias tristes você resolve a partir de um abraço com o nó certo? Quantos dias felizes surgem depois de um abraço com vontade? 

Enquanto o ofício de abraçadeiro não é criado, eu vou abraçando com as palavras. 

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(Do jornal Zero Hora, 21 de julho de 2022)

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