domingo, 10 de julho de 2022

Como nos Velhos Tempos

 Rio Antigo

Este é um samba-canção resultante da parceria entre Nonato Buzar (1932-2014) e Chico Anysio (1931-2012). 

Uma exaltação inigualável à cidade do Rio de Janeiro e o seu glamour de décadas passadas, principalmente entre os anos de 1930 e 1950, visto que a maior parte das citações de lugares, pessoas e hábitos teve seu auge nesse período. A canção foi gravada originalmente por Alcione, recém chegada do Maranhão, em seu disco “Gostoso Veneno”, de 1979. 

Chico fala sobre a canção: “Outro prazer que tive, foi ter composto o Rio Antigo em parceria com o Nonato Buzar. Um samba-queixume que a Alcione gravou chorando aqueles anos de ouro. O samba é bem legal porque fala de uma época estupenda da cidade do Rio de Janeiro para quem já viveu mais de 50 anos”. 

Segundo Alcione esse foi um presente dos Deuses ofertado a ela pelas mãos generosas dos dois compositores.

Rio antigo

(Como nos Velhos Tempos) 

Chico Anysio/Nonato Buzar 

Quero um bate-papo na esquina,
Eu quero o Rio antigo
Com crianças na calçada,
Brincando sem perigo,
Sem metrô e sem frescão (1),
O ontem no amanhã.
Eu que pego o bonde 12 de Ipanema (2)
Pra ver o Oscarito e o Grande Otelo no cinema,
Domingo no Rian (3),
Me deixa eu querer mais, mais paz.
 

Quero um pregão de garrafeiro (4),
Zizinho (5) no gramado,
Eu quero um samba sincopado,
Taioba bagageiro (6)
E o Desafinado (7) que o Jobim sacou.
Quero o programa de calouros
Com Ary Barroso,
O Lamartine (8) me ensinando
Um lá, lá, lá, lá, lá, gostoso,
Quero o Café Nice (9)
De onde o samba vem.
  

Quero a Cinelândia estreando “E o Vento Levou”,
Um velho samba do Ataulfo (10),
Que ninguém jamais gravou,
PRK 30 (11) que valia 100,
Como nos velhos tempos.
 

Quero um carnaval com serpentina,
Eu quero a Copa Roca (12) de Brasil e Argentina,
Os Anjos do Inferno (13), Quatro Ases e um Coringa (14),
Eu quero, eu quero porque é bom!

Eu que pego no meu rádio uma novela;

Depois eu vou à Lapa, faço um lanche no Capela (15).
Mais tarde eu e ela, pros lados do Hotel Leblon (16)...
 

Quero um som de fossa da Dolores (17),
Uma valsa do Orestes (18), zum-zum-zum dos Cafajestes (19),
Um bife lá no Lamas (20),
Cidade sem Aterro, como Deus criou!
Quero um chá dançante lá no clube
Com Waldir Calmon (21),
Trio de Ouro (22) com a Dalva (23),
Estrela Dalva do Brasil,
Quero o Sérgio Porto (24)
E o seu bom humor.

Quero ver um show do Walter Pinto (25)
Com mulheres mil.
O Rio aceso em lampiões
E violões que quem não viu,
Não pode entender...
O que é paz e amor.
 

(Do Blog Museu da Canção)* 

* Este blog visa resgatar e/ou preservar pérolas da MPB. Buscamos enriquecer as informações com o histórico das canções e algumas informações que possam agradar aqueles que buscam aumentar seus conhecimentos sobre a fantástica música brasileira, bem como seus compositores e intérpretes. 

P.S. Esta música está na internet nas vozes de Alcione, Cauby Peixoto, Maria Creuza e com o grupo Casuarina entre outros.

Citações numeradas 

(1) Os primeiros ônibus do Rio a possuir ar-condicionado, com as passagens mais caras. 

(2) Bonde que circulava no bairro de Ipanema. Os anos 1960 marcaram o início do fim dos bondes. No dia 31 de dezembro de 1960 a Companhia Ferro-Carril do Jardim Botânico, que deu origem à indústria de bondes no Brasil, deixou de existir. O de Santa Teresa ficou para contar história. 

(3) O Cinema Rian foi construído em 28 de novembro de 1932 e demolido em 16 de dezembro de 1983. Foi-lhe dado este nome − Rian (Nair de trás para frente) −, pois o mesmo é o pseudônimo da sua então proprietária e fundadora, Nair de Tefé. 

(4)   Pregão era a forma individual e característica para receber das pessoas de uma rua materiais descartáveis. Garrafeiro era o nome dado aos comerciantes e coletores de materiais recicláveis no Brasil na época do pós-guerra, a partir de 1946.

(5) Tomás Soares da Silva, mais conhecido como Zizinho foi um treinador e futebolista brasileiro que atuava como meio-campista. 

(6)  Esse bonde oferecia uma opção barata para o transporte de cargas pela cidade. 

(7) Samba dos compositores: Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça do início da Bossa-Nova. 

(8) Lamartine de Azeredo Babo foi um compositor popular brasileiro. 

(9) Café Nice foi um café-bar da cidade do Rio de Janeiro que, na primeira metade do século XX, reunia a boemia carioca e foi palco de muitos acontecimentos no meio artístico e, por isto, objeto de várias referências culturais. Estava situado na Avenida Rio Branco, número 174. O estabelecimento fechou na metade da década de 1950. 

(10) Ataulfo Alves de Sousa foi um compositor e cantor de samba brasileiro. 

(11) PRK-30 foi um programa de rádio brasileiro. Era uma atração humorística criada por Lauro Borges e Castro Barbosa, sendo exibida inicialmente na Rádio Mayrink Veiga do Rio de Janeiro. Posteriormente, foi transmitida na Rádio Nacional. O programa foi levado ao ar de 1944 a 1964. 

(12) Superclássico das Américas ou Copa Dr. Nicolas Leoz, antiga Copa Roca, é uma competição de futebol instituída em 1914 pelo presidente argentino Julio Argentino Roca e disputada entre as seleções nacionais de Brasil e Argentina. 

(13) Anjos do Inferno foi um conjunto vocal e instrumental brasileiro de samba e marchinha de carnaval formado em 1934. O grupo teve diversas formações ao longo de uns 30 anos, mas mesmo assim conseguiu criar uma identidade sonora típica. 

(14) Os Quatro Ases e Um Coringa foram um conjunto vocal e instrumental brasileiro, formado no Rio de Janeiro. Ao lado dos Anjos do Inferno, foram o conjunto de maior sucesso na dita “era de ouro” do rádio brasileiro, principalmente nos anos 1940. 

(15) O Bar e Restaurante (Novo) Capela é um ícone dos bares e restaurantes do Rio de Janeiro. Está localizado no bairro mais boêmio do Brasil que é a Lapa. Foi fundado em 1903, viveu décadas de glória, mudou-se de endereço, ressurgiu literalmente das cinzas após um incêndio, e quase foi a ruína no ano passado (2019), sendo resgatado pelo “Rei dos bares do Rio”, o empreendedor Antônio Rodrigues, que começou sua carreira como garçom no Rio e hoje é dono do Grupo Belmonte (Boteco Belmonte, Boteco da Garrafa, Antonio’s e bares no Porto, em Portugal). Endereço: Rua Mem de Sá, 96, Lapa. 

(16) Hotel Leblon, localizado na Avenida Niemeyer, nº 2, no Leblon. Projetado pelo arquiteto Antonio Januzzi, em 1922, e construído pelo espanhol João Otero Seoane, o Hotel foi idealizado para funcionar como cassino de luxo de frente para o mar do bairro. Inaugurado em 1926, ele chegou a funcionar como ponto de encontro da alta sociedade. Mas, segundo relatos da época, no início da década de 1930 uma simples menção ao Leblon Hotel era considerada como um ato de atentado a moral e aos bons costumes. Era o motel da sua época. 

(17) Dolores Duran, nome artístico de Adileia Silva da Rocha, foi uma cantora. Compositora e instrumentista brasileira. 

(18) Orestes Barbosa foi um compositor, jornalista, cronista, e poeta brasileiro. 

(19) Cafajestes era uma turma da fuzarca que alegrou a vida carioca nas décadas de 1940 e 1950 e que era composta por rapazes folgazões e irreverentes, uns nascidos em famílias da alta burguesia e outros bem instalados na vida, sempre rodeados de belas mulheres. 

(20) Restaurante com tradição de mais de 148 anos. Frequentado por políticos, músicos e personalidades. Considerado o melhor Filé do Rio de Janeiro. 

(21) Foi o pioneiro a gravar sucessos dançantes em faixas únicas, ininterruptas, adequados a animar festas, eternizando nos acetatos o som que produzia nas boates de então.

(22) O Trio de Ouro foi um conjunto vocal brasileiro formado por Herivelto Martins em 1937. 

(23) Vicentina de Paula Oliveira, conhecida como Dalva de Oliveira, foi uma consagrada cantora e compositora brasileira. 

(24) Sérgio Marcus Rangel Porto (Sérgio Porto) foi um cronista, escritor, radialista, comentarista, teatrólogo, jornalista, humorista, ex-funcionário do Banco do Brasil e compositor brasileiro. Era mais conhecido por seu pseudônimo Stanislaw Ponte Preta. 

(25) Walter Pinto foi um produtor e autor de teatro brasileiro, responsável direto pela renovação no país do teatro de revista.

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