domingo, 24 de julho de 2022

Escravos do caráter

 J.J. Camargo* 

Um dos grandes trunfos da velhice

é a capacidade de identificar precocemente o caráter das pessoas.

Existe os que fazem, os que não fazem

e os que não querem que os outros façam. 

Seria ótimo se pudéssemos classificar as pessoas por comportamentos e atitudes, porque a partir daí as atitudes seriam previsíveis e as surpresas desagradáveis evitadas, ou prevenidas. E, leves e soltos, festejaríamos o fim das desilusões, que muito mais magoam do que educam. 

Um dos grandes trunfos da velhice é a capacidade de, precocemente, identificar o generoso, o dissimulado e o mau-caráter. Talvez a sabedoria signifique eleger corretamente estes critérios que nos definem como seres únicos, porque, afinal, não somos mais do que isto: escravos do caráter que temos. 

Algumas dessas classificações impressionam pela simplicidade e didática. Senão, vejamos: 

Uma foto, numa galeria de arte, em Minneapolis (EUA) mostrava três macacos. O primeiro deles, em posição de alerta máximo, olhando fixo para a câmera. O segundo com a cabeça apoiado no ombro do primeiro, e o terceiro com a cabeça por trás dos outros dois. E a legenda: “Existem três tipos de pessoas: as que fazem as coisas acontecerem, as que assistem acontecer e as que querem saber o que aconteceu”. 

Ivan Faria Correa, meu primeiro e inesquecível mestre de cirurgia e de vida, recomendava prudência em relação aos amigos, certos ou potenciais: “Existem aquelas pessoas que gostam da gente e nem sabemos o porquê, e não nos preocupamos em descobrir. Essas gostam de qualquer jeito e até quando não merecemos. São joias que temos que preservar a todo o custo, porque sem elas sobra nada. 

Um segundo grupo é formado por uns tipos que não gostam de jeito nenhum, e não nos preocupam porque já aprendemos que não há nada que se possa fazer para conquistá-los. 

E um terceiro grupo é formado pelos que ainda não se decidiram, e sendo assim temos que ficar de olho neles, até que se decidam”. 

Numa loja de souvenir no Quartier Latin, em New Orleans, me encantei com uma placa de madeira com a seguinte legenda: “As pessoas superiores falam de ideias. As pessoas medianas falam de coisas. E as pessoas inferiores falam de outras pessoas”. Ela desceu da parede para me fazer companhia na viagem de volta. 

De tanto viver, e convencido de que a vida sem desafios desencanta, tive a sabedoria de manter distância dos desanimados e recrutei entre os jovens aqueles que acreditavam que não podíamos permitir que as mazelas que nos rodeiam fossem limitantes do tamanho dos nossos sonhos, e que a coragem mais produtiva é aquela que se opõe às circunstâncias que os fracos atribuem ao destino. 

E foi assim que encontrei três tipos de convivas, munidos de motivações contrastantes. Os que fazem, os que não fazem e não se importam que alguém faça, e os que, não fazendo, não suportam que outros façam. Claro que ninguém deve sentir-se obrigado a fazer qualquer coisa que não lhe dê prazer, e então deixemos o segundo grupo em paz. 

Mas se eu soubesse o que fazer com o terceiro grupo, não teria sentido tanta falta dos conselhos do Mestre Ivan. 

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(Do jornal Zero Hora, julho de 2022)

* J.J. Camargo é cirurgião torácico da Santa Casa de Porto Alegre e membro a Academia Nacional de Medicina.

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