O que um porto-alegrense não pode deixar de fazer na vida.
Fabrício Carpinejar
Porto Alegre tem suas belezas secretas. Não há como morar aqui sem experimentar uma série de prazeres obrigatórios:
− Atravessar a Praça da Alfândega e assistir a uma das partidas de damas com tampinhas de garrafa de senhores de boina. Entender que a amizade não se aposenta.
− Tirar uma foto no lambe-lambe e guardá-la dobrada na carteira.
− Enfrentar o minuano no Cais Embarcadero, cuidando para não engolir o vento enquanto escolhe o restaurante.
− Comer o cachorro-quente do Rosário de pernas abertas para não sujar a roupa. Comer um xis-salada de pernas abertas e ainda assim sujar a roupa.
−
Excursionar com turma ao Morro do Osso, carregando cacetinho com mortadela para
saborear no topo, a
− Meditar sobre a sua existência, após uma fossa amorosa, no mirante do Morro Santa Teresa. Uma maneira de enxergar as dificuldades de cima.
− Tomar sorvete com frutas no Mercado Público arrumando espaço no estômago depois de um mocotó.
− Andar de bicicleta de dois na Usina do Gasômetro, sempre pedalando mais do que o outro.
− Brincar de auto-choque com seus amigos no parque, encurralando-os no canto da nostalgia.
− Conseguir a loteria de uma vaga para estacionar nas vias próximas da orla de Ipanema nos finais de semana.
− Ser arrastado à força, com a coleira puxada pelo seu animal de estimação, para que ele brinque no cachorródromo, no Parcão ou na Encol.
− Dedicar uma tarde no MARGS para conhecer obras de pintores célebres, como Renoir, ou se aventurar nos acervos dos artistas contemporâneos na Fundação Iberê Camargo.
− De casalzinho, beber espumante no terraço da Casa de Cultura Mario Quintana, sendo um pouquinho passarinho (pois os problemas passarão).
− Aproveitar as promoções da Feira do Livro e entrar na fila de autógrafos de seu autor predileto.
− Namorar no pedalinho, esforçando-se para chegar ao meio do açude e, então, descansar ao sol estendendo os braços nos ombros de quem ama.
− Assar um churrasco em pleno Marinha do Brasil, naquelas churrasqueiras de tijolinhos, com o porta-malas aberto contendo cooler de cerveja.
− Colocar o colete laranja e passear no barco Cisne Branco para observar as ilhas que integram a cidade (da Pintada, do Pavão, das Flores).
− Fazer piquenique no Jardim Botânico e ir embora apenas depois da invasão das formigas.
− Adquirir discos de vinil nas galerias e viadutos do Centro.
− Tomar um chope cremoso de tarde consigo mesmo na ladeira. E falar que só será unzinho. Porque você merece.
− Entrar no túnel verde da Rua Gonçalo de Carvalho com a família, em especial no inverno, quando as folhas das tipuanas caem e forram o chão de cor e sombra.
− Voltar a pé dos estádios (Arena e Beira-Rio) escutando a cobertura da rádio porque não encontra táxi e Uber, e os ônibus estão lotados.
− Esperar o pôr do sol do Guaíba entre 17h30min e 18h, como uma missa certa em sua vida, e rezar agradecendo a sua saúde com aquela cúpula rosada da catedral do céu.
− Levar um artesanato de lembrança do Brique da Redenção – ficar no evento até a água da térmica do chimarrão acabar. Para dizer que esteve lá, deve caminhar da Osvaldo Aranha até a João Pessoa. Não pode desistir antes disso.
− Desfrutar da boemia dos bares e restaurantes da Cidade Baixa, nas ruas General Lima e Silva, José do Patrocínio e João Alfredo, e admirar o tom azulado da madrugada na Capital.
Todo porto-alegrense é um turista da sua cidade, de tanto que ama, de tanto que vive reestreando a sua paixão.
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(Do jornal Zero Hora, julho de 2022)
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