quarta-feira, 27 de julho de 2022

Porto Alegre é demais

O que um porto-alegrense não pode deixar de fazer na vida.

Fabrício Carpinejar

Porto Alegre tem suas belezas secretas. Não há como morar aqui sem experimentar uma série de prazeres obrigatórios: 

− Atravessar a Praça da Alfândega e assistir a uma das partidas de damas com tampinhas de garrafa de senhores de boina. Entender que a amizade não se aposenta. 

− Tirar uma foto no lambe-lambe e guardá-la dobrada na carteira. 

− Enfrentar o minuano no Cais Embarcadero, cuidando para não engolir o vento enquanto escolhe o restaurante. 

− Comer o cachorro-quente do Rosário de pernas abertas para não sujar a roupa. Comer um xis-salada de pernas abertas e ainda assim sujar a roupa. 

− Excursionar com turma ao Morro do Osso, carregando cacetinho com mortadela para saborear no topo, a 143 metros de altitude. Suspirar ao avistar o Delta do Jacuí e a praia de Ipanema. 

− Meditar sobre a sua existência, após uma fossa amorosa, no mirante do Morro Santa Teresa. Uma maneira de enxergar as dificuldades de cima. 

− Tomar sorvete com frutas no Mercado Público arrumando espaço no estômago depois de um mocotó. 

− Andar de bicicleta de dois na Usina do Gasômetro, sempre pedalando mais do que o outro. 

− Brincar de auto-choque com seus amigos no parque, encurralando-os no canto da nostalgia. 

− Conseguir a loteria de uma vaga para estacionar nas vias próximas da orla de Ipanema nos finais de semana. 

− Ser arrastado à força, com a coleira puxada pelo seu animal de estimação, para que ele brinque no cachorródromo, no Parcão ou na Encol. 

− Dedicar uma tarde no MARGS para conhecer obras de pintores célebres, como Renoir, ou se aventurar nos acervos dos artistas contemporâneos na Fundação Iberê Camargo. 

− De casalzinho, beber espumante no terraço da Casa de Cultura Mario Quintana, sendo um pouquinho passarinho (pois os problemas passarão). 

− Aproveitar as promoções da Feira do Livro e entrar na fila de autógrafos de seu autor predileto. 

− Namorar no pedalinho, esforçando-se para chegar ao meio do açude e, então, descansar ao sol estendendo os braços nos ombros de quem ama. 

− Assar um churrasco em pleno Marinha do Brasil, naquelas churrasqueiras de tijolinhos, com o porta-malas aberto contendo cooler de cerveja. 

− Colocar o colete laranja e passear no barco Cisne Branco para observar as ilhas que integram a cidade (da Pintada, do Pavão, das Flores). 

− Fazer piquenique no Jardim Botânico e ir embora apenas depois da invasão das formigas. 

− Adquirir discos de vinil nas galerias e viadutos do Centro. 

− Tomar um chope cremoso de tarde consigo mesmo na ladeira. E falar que só será unzinho. Porque você merece. 

− Entrar no túnel verde da Rua Gonçalo de Carvalho com a família, em especial no inverno, quando as folhas das tipuanas caem e forram o chão de cor e sombra. 

− Voltar a pé dos estádios (Arena e Beira-Rio) escutando a cobertura da rádio porque não encontra táxi e Uber, e os ônibus estão lotados. 

− Esperar o pôr do sol do Guaíba entre 17h30min e 18h, como uma missa certa em sua vida, e rezar agradecendo a sua saúde com aquela cúpula rosada da catedral do céu. 

− Levar um artesanato de lembrança do Brique da Redenção – ficar no evento até a água da térmica do chimarrão acabar. Para dizer que esteve lá, deve caminhar da Osvaldo Aranha até a João Pessoa. Não pode desistir antes disso. 

− Desfrutar da boemia dos bares e restaurantes da Cidade Baixa, nas ruas General Lima e Silva, José do Patrocínio e João Alfredo, e admirar o tom azulado da madrugada na Capital. 

Todo porto-alegrense é um turista da sua cidade, de tanto que ama, de tanto que vive reestreando a sua paixão. 

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(Do jornal Zero Hora, julho de 2022)

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