sábado, 23 de julho de 2022

Machado e a educação*

 Arnaldo Niskier

Joaquim Maria Machado de Assis nasceu no Rio de Janeiro em 21 de junho de 1839, ano em que também nasceram Casimiro de Abreu e Tobias Barreto. Começou a versejar aos 15 anos e, antes dos 18 anos, publicou o seu primeiro conto (gênero em que foi mestre indiscutível): “Três tesouros perdidos”. 

Machado era mestiço, filho de um pardo forro (Francisco José de Assis) e de mãe negra (Maria Leopoldina Machado de Assis). Eram agregados de uma quinta, o pai pintor de paredes. Ficou órfão de mãe muito cedo (usou o seu nome artístico) e encontrou na madrasta, a lavadeira Maria Inês, o grande arrimo da sua infância, especialmente após a morte do pai, em 1851. 

Machado foi contista, poeta, cronista, crítico e autor teatral (o seu “Lição de Botânica”, nascido de um conto, é simplesmente genial). Era um autodidata, que frequentou apenas a escola primária. Morreu no Rio, no dia 29 de setembro de 1908, com 69 anos de idade. Junto com Lúcio de Mendonça, foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, em 1897, e a presidiu durante dez anos (até a sua morte). Ao longo da vida, produziu diversas obras-primas, inclusive algumas pérolas que denotam a existência de um sagaz olhar pedagógico, mais valorizado pelo fato de não ter sido oriundo de um educador ou de um profissional formado no exterior, como era tradicional, naqueles tempos de devoção cultural à Europa. 

De Machado, no Brasil, já se escreveu tudo. Ou quase tudo. Talvez estivesse faltando uma abordagem pedagógica, a fim de que dele se extraísse o sumo dos seus pensamentos originais – e que se mantiveram, a despeito da ação do tempo. 

Em seu estilo e em sua cuidadosa estrutura vocabular, Machado ensinava. Era professor paciente e direto. Não conseguíamos nós, suas criaturas, enganá-lo. Em uma releitura de seus romances, contos, crônicas e cartas (que em tudo usava seu também extraordinário talento de educador), descobrimos que ele se esmerava em nos mostrar de que maneira cada um de nós pode chegar a ser um ser humano melhor. 

Não se tratava de um ensinamento do alto para baixo, mas de uma conversa machadiana, calma, olho no olho, como quem diz “veja só como nós somos” ou “imagine como Brás viu o mundo e seus habitantes depois que foi para o outro lado”, mas junto com o “veja só” e o “imagine” havia também o espanto do “quem diria!”. Era um “olhar pedagógico”, refinado, sereno, que nos via por dentro. 

Mas Machado de Assis, alcançando a glória dos 69 anos, iluminou a literatura brasileira com algumas das suas obras mais emblemáticas – e em todas elas pudemos sentir, desde cedo, uma fagulha pedagógica. Sempre uma lição, mesmo que não fosse exatamente essa a sua intenção. 

Não nos preocupamos exatamente com lições morais, mas sim com o que o espírito de Machado acolheu e que seria de interesse objetivo da educação do seu tempo. A presença do professor, a forma dos castigos, a valorização de línguas estrangeiras, o pouco prestígio dado à educação feminina... são temas recorrentes na obra do Bruxo do Cosme Velho. 

*Excerto do texto, in Revista Brasileira da ABL



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