quarta-feira, 30 de novembro de 2022

O menino que chupou a bala errada

 Stanislaw Ponte Preta

Diz que era um menininho que adorava bala e isto não lhe dava qualquer condição de originalidade, é ou não é? Tudo que é menininho gosta de bala. Mas o garoto desta história era tarado por bala. Ele tinha assim uma espécie de ideia fixa, uma coisa assim... assim, como direi? Ah... creio que arranjei um bom exemplo comparativo: o garoto tinha por bala a mesma loucura que o senhor Lacerda* tem pelo poder. 

Vai daí um dia o pai do menininho estava limpando o revólver e, para que a arma não lhe fizesse uma falseta, descarregou-a, colocando as balas em cima da mesa. O menininho veio lá do quintal, viu aquilo ali e perguntou pro pai o que era. 

– É bala – respondeu o pai, distraído. 

Imediatamente, o menininho pegou diversas, botou na boca e engoliu, para desespero do pai, que não medira as consequências de uma informação que seria razoável a um filho comum, mas não a um filho que não podia ouvir falar em bala que ficava tarado para chupá-las. 

Chamou a mãe (do menino), explicou o que ocorrera e a pobre senhora saiu desvairada para o telefone, para comunicar a desgraça ao médico. Esse tranquilizou a senhora e disse que iria até lá, em seguida. 

Era um velho clínico, desses gordos e bonachões, acostumados aos pequenos dramas domésticos. Deu um laxante para o menininho e esclareceu que nada de mais iria ocorrer. Mas a mãe estava ainda aflita e insistiu: 

– Mas não há perigo de vida, doutor? 

– Não – garantiu o médico: – Para o menino não há o menor perigo de vida. Para os outros talvez. 

– Para os outros? – estranhou a senhora. 

– Bem... – ponderou o doutor: – O que eu quero dizer é que, pelo menos durante o período de recuperação, talvez fosse prudente não apontar o menino para ninguém. 

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*Carlos Lacerda, antigo político brasileiro.

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