segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Se saísse o golpe

 Marcelo Rech


Esta crônica é uma obra de ficção, mas qualquer semelhança com a realidade não será mera coincidência. 

“Iludidos com as multidões em verde-amarelo que tomam as ruas para celebrar o Hexa, um grupo de militares renegados desfecha uma quartelada. Atendendo ao clamor dos adoradores de muros de quartel, eles proclamam a manutenção de Jair Bolsonaro no poder, dissolvem tribunais superiores, com a prisão de seus ministros, e preveem, talvez para dali a uns anos, eleições com voto em papel. A cúpula do governo eleito é levada para local ignorado. 

Em questão de horas, os EUA, a Europa e toda a América Latina, à exceção do Paraguai, repudiam o golpe e anunciam sanções ao Brasil. O país fica isolado. A China começa a procurar novos fornecedores de alimentos. As contas no Exterior dos financiadores do golpe são bloqueadas. Os golpistas e seus apoiadores, identificados por manifestações em rede sociais, são proibidos de entrar nos EUA e na Europa. 

Os presidentes da Câmara e do Senado se levantam contra a intentona e são destituídos, bem como todos os mandatos parlamentares até que, talvez, haja nova eleição. Com as cortes superiores fechadas e sitiadas, Judiciário e Ministério Publico entram em colapso. A imprensa é sufocada. Sem os holofotes do jornalismo, a fiscalização do MP e a punição pela Justiça, bilhões são rapinados dos cofres públicos. 

Em represália ao golpe, EUA e Europa congelam grande parte das reservas internacionais do Brasil. Os dólares oficiais somem e a cotação no paralelo salta para R$ 20. A inflação dispara, a Bolsa derrete. O país tem dificuldade para importar diesel. O transporte e o agronegócio operam aos solavancos. As prateleiras dos supermercados se esvaziam. 

O novo regime só tem apoio firme dos ecocidas que querem fazer da Amazônia uma grande pastagem e de alguns pastores fanáticos. O Brasil vive dias de teocracia iraniana. Os muitos milhões que rejeitam o golpismo, e que até então olhavam para os grupos diante dos quartéis entre a indiferença e o desprezo, ocupam as ruas em gigantescos protestos. Repetições do episódio da Legalidade eclodem do Rio Grande do Sul ao Pará. O regime chama o Exército para reprimir as manifestações, mas os comandantes se negam a disparar contra civis desarmados. Massas famintas vagam pelas estradas e tentam sair do país. Os vizinhos, Venezuela inclusive, reforçam os controles nas fronteiras. 

Com o caos generalizado, Bolsonaro foge para o Paraguai, onde é obrigado a conviver com Roberto Jefferson. O governo e o Congresso eleitos tomam posse, e os sediosos que desencadearam o golpe são presos e condenados com base na Constituição. A paz e a ordem voltam a imperar, mas o país, destroçado, ainda levará anos para se recuperar”. 

Acordou? Era um pesadelo. Era? 

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(Do jornal Zero Hora, 27 de novembro de 2022) 

P.S. Disse o Marechal Castelo Branco, nos anos 60, a respeito das pessoas que pregavam uma ditadura no Brasil: 

“Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar”. 

Elas, as vivandeiras alvoroçadas, continuam, nos dias de hoje, defronte aos quartéis (bivaques) bulindo com os granadeiros (militares) pedindo a volta da ditadura militar.

2 comentários:

  1. Ainda bem que vivemos em uma democracia, e, a vontade do povo é o que prevalece, com base na Constituição.

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  2. E isso mesmo, Daniel, muito oportuna a tua observação.

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