quinta-feira, 17 de novembro de 2022

Poesia Matemática

 

Às folhas tantas

Do livro matemático

Um quociente apaixonou-se

Um dia

Doidamente

Por uma incógnita.

Olhou-a com seu olhar inumerável

E viu-a, do ápice a Base,

Uma Figura Ímpar;

Olhos romboides, boca trapezoide,

Corpo octogonal, seios esferoides,

Fez da sua

Uma vida

Paralela a dela

Até que se encontraram

No infinito.

“Quem és tu?“ indagou ele

Com ânsia radical.

“Sou a soma do quadrado dos catetos,

Mas pode me chamar de Hipotenusa.”

E de falarem descobriram que eram

– O que, em aritmética, corresponde

A almas irmãs –

Primos-entre-si.

E assim se amaram

Ao quadrado da velocidade da luz

Numa sexta potenciação

Traçando

Ao sabor do momento

E da paixão

Reta, curvas, círculos e linhas sinoidais.

Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclidianas

E os exegetas do Universo Finito.

Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.

E, enfim, resolveram se casar

Constituir um lar,

Mais do que um lar,

Uma perpendicular.

 

Convidaram para padrinhos

O Poliedro e a Bissetriz.

E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro

Sonhando com uma felicidade

Integral

E diferencial.

E assim se casaram e tiveram uma secante e três cones

Muito engraçadinhos

E foram felizes

Até aquele dia

em que tudo, afinal,

Vira monotonia.

Foi então que surgiu

O Máximo Divisor Comum

Frequentador de Círculos Concêntricos

Viciosos.

Ofereceu-lhe, a ela,

Uma Grandeza Absoluta,

E reduziu-a a um Denominador Comum.

Ele, Quociente, percebeu

Que com ela não formava mais Um Todo,

Uma Unidade. Era o Triângulo,

Tanto chamado amoroso.

Desse problema ela era a fração

Mais ordinária.

Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade

E tudo que era expúrio passou a ser

Moralidade

Como, aliás, em qualquer

Sociedade.

(Millôr Fernandes em “O Pif-Paf “ – O Cruzeiro de 1949)

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