sexta-feira, 18 de novembro de 2022

A mística paraquedista

 

Na foto acima, eu (Nilo da Silva Moraes, aos 19 anos), o primeiro à esquerda, e dois colegas paraquedistas militares, todos caras-pintadas, preparando-nos para um salto de exercício de patrulha na distante Barra da Tijuca, RJ. Note a arma presa à perna esquerda do paraquedista. 

Salto Noturno 

Sgt. Amacyl Pereira da Cunha* 

No dia 5 de abril de 1963, eu estava à janela do meu apartamento, em Marechal Hermes, RJ, por volta das 19 horas, quando ouvi o barulho dos motores do avião C-82 e, poucos segundos depois, avistei a aeronave que se dirigia para a ZL (Zona de Lançamentos) dos Afonsos; era mais um salto noturno. 

Quanto a isso nada havia de extraordinário, porque esses saltos são comuns, pois quase que diariamente são realizados, e eu costumo a assisti-los, como disse, do meu apartamento. Acontece que nesse dia (5 de abril de 1963), havia algo diferente naquele ato, e eu sentia como que uma força estranha a chamar-me à atenção para o que se passava..., foi então que liguei os fatos; realmente, aquele salto não era de rotina, pois, algumas horas antes, o nosso saudoso companheiro Sargento Nicolau havia falecido, vítima de acidente de salto. Então eu compreendi o porquê daquele meu estado de espírito, e fui como que tomado por uma onda de emoção e dúvida. A dúvida que pairava no meu espírito naquele momento era saber por que aqueles bravos soldados do ar estariam saltando? – Seria em homenagem ao heroico Sgt. Nicolau Radiusz** – que morrera horas antes lutando contra as forças (invencíveis) do destino, ou seria simplesmente de protesto e desprezo à traiçoeira morte, a qual havia ceifado a vida de um de seus companheiros? Confesso que naquele momento não consegui resposta a estas perguntas, e a dúvida continuou (e ainda continua) a martelar-me o cérebro... 

Por que saltariam eles? Porém de uma coisa tive absoluta certeza; naquele momento tratava-se de uma luta titânica entre os arrojados paraquedistas e a maldita morte, e esta (a morte) fora fragorosamente derrotada e, como que acovardada e trêmula, numa correria louca, fugiu para bem longe, desaparecendo na imensidão da noite. 

Vencera a mística dos paraquedistas! 

*   Amacyl Pereira da Cunha, pqdt 241, do Turno de 1950/3 – MS 248 

** Nicolau Radiusz, pqdt 3127, do turno de 1957/3 – MS*** 834, faleceu em 5 de abril de 1963, saltando na ZL do Campo dos Afonsos, RJ. Sofreu pane do seu paraquedas principal, chamado de “Mae West”****, com rasgos em vários painéis. O reserva enrolou-se no principal. 

*** MS ‒ Mestre de Salto ‒ graduado especializado em lançar uma equipe de paraquedista numa ZL ‒ Zona de Lançamento.

**** “Mae West” nome de uma famosa atriz norte-americana, que tinha seios fartos. Nesse acidente, uma das linhas laterais do paraquedas passa por cima do velame, como a forma de um enorme sutiã, não dando sustentação para uma aterragem normal.

Observação: 

Quando há um acidente com morte de um paraquedista militar brasileiro, no mesmo dia e a qualquer hora do dia, todos são convocados para saltar, demonstrando, com isso, que não temem a morte, que a morte não os vencerá. 

O TEMOR 

3° Sargento Nicolau Radiuz 

Data de nascimento 23/11/1937, faleceu em 5/04/1963, em acidente de paraquedas.

Nota: Estes versos foram encontrados entre os objetos deixados pelo Sgt Nicolau, em seu armário, após o acidente que o vitimou. 

Roncam os motores e a aeronave estremece.

O medo em mim aparece,

mas eu o domino, heroicamente... 

Tem demora, tremo um pouco,

pois sei que a coisa é de louco! 

Tal aventura é para um audaz vigoroso...

Rezo um credo... Jamais fui religioso...

Mas hoje sou?! Que destino caprichoso! 

Nas horas amargas peço a proteção divina,

pois no espaço a luz do sol me ilumina... 

Depois que tudo ocorreu,

chegando ao solo não me lembro de Deus.

Sim, porque Ele sempre me protegeu.

Hoje, Ele ainda me atendeu... 

FATALIDADE 

Sargento Jader do Monte Ferreira* 

*Pqdt 4907 do 1958/5 - MS 1013 

(Poema feito em homenagem à morte do Sgt Nicolau) 

Era um dia festivo

da Unidade-Padrão.

Pairava no olhar altivo

de quem olhava o avião. 

Um homem lutava...

Ao mesmo tempo em que a sorte

ao seu velame rasgava

lhe causando assim a morte. 

Um companheiro sem igual.

Destemido, lutador e forte.

Um vibrador sem rival,

sem medo da morte... 

Assim morreu Nicolau...

Vi sua luta pela vida.

Vi seu reserva, subindo, enrolando.

Mais tarde vi a ferida

da fatalidade nossa alma enlutando. 

Deus Nosso Pai Eterno,

Tu que és o Rei da Terra,

Que nos livra do inferno

e dos maus que a vida encerra, 

Livra-nos, também, da imperfeição,

sustentando ou inflando nossos paraquedas

ou amolecendo o chão. 

*Obs.: Militares que presenciaram o salto deram-nos a seguinte explicação. O paraquedas do sargento Nicolau sofreu um “Mae West”, rasgando-se na arma que o pqdt levava ao lado do corpo (uma metralhadora INA). Ele acionou o reserva, que se enrolou no principal, não dando quase nenhuma sustentação ao paraquedista, que não morreu instantaneamente, mas sofrendo várias fraturas em seu corpo, só resistindo com vida apenas meia hora.

P.S. O Mae West, foto acima, era um acidente relativamente comum, provocado, geralmente, por uma saída ruim da porta lateral dos aviões C-82 ou C -119, que não são mais utilizados em saltos de paraquedistas militares do Brasil.

2 comentários:

  1. História de bravura e fatalidade do Sargento Nicolau que poderia ter acontecido com qualquer pqdt.

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  2. E verdade, Daniel, eu, particularmente, tive 12 oportunidades de alguma coisa errada ter acontecido comigo...

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