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Dei duro. Enfrentei.
Comecei por baixo, baixo, como todo sofredor começa. Servindo para um, mais malando, ganhar. Como todo infeliz começa.
Já cedinho batucava.
– Vai um brilho, moço?
Repicar na caixa, mandar os olhos nos pés que passavam. Chamar freguês. E depois me mandar no brilho dos sapatos. Fazer um barulhão com o pano, atiçar os braços finos, esperto ali.
Os dedos imundos não tinham sossego. Às vezes, cobiçava os pisantes dos fregueses; então, apurava mais o brilho. O tipo se levantava da cadeira, se arrumava todo; se empinava, me escorregava uma nota. Humilde, meio encolhido, eu recolhia a gorja magra. Tudo pixulé, só caraminguás, uma nota de dois ou cinco cruzeiros. Mas eu levantava os olhos e agradecia.
Aguentava frio nas pernas, andava de tênis furado, olhava muito doce que não comia e os safanões que levei no meio das ventas, quando me atrevia a vontades, me ensinaram que o meu negócio era ver e desejar. Parasse aí. Aguentei muito xingo, fui escorraçado, batido e dormi de pelo no chão. Levei nome de vagabundo desde cedo. Lá na rua do Triunfo, na Pensão do Triunfo, seu Hilário e dona Catarina.
Aquilo, àquele tempo, já era o casarão descorado dos dias de hoje, já pensão de mulheres. Mas abrigava também, à noite, magros, encardidos, esmoleiros, engraxates, sebosos, aleijados, viradores, cambistas, camelôs, gente de crime miúdo, mas corrida da polícia: safados da barra pesada que, mal e mal amanhecia, seu Hilário mandava andar. Cada um para a sua viração.
A gente caía para a sua. Catava que catava um jeito de se arrumar. Vender pente, vender jornal, lavar carro, ajudar camelôs, passar retrato de santo, gilete, calçadeira... Qualquer bagulho é esperança de grana, quando o sofredor tem a fome. Vontade, jeito? A fome ensina. A gente nas ruas parecia cachorro enfiando a fuça atrás de comida.
(...)
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Parte do conto “Paulinho Perna torta”, de João Antônio.
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