Para a cátedra de Literatura
Enrique Buenaventura estava bebendo rum numa bodega de Cali* quando um desconhecido se aproximou da mesa. O homem se apresentou, era pedreiro, às suas ordens, para servi-lo.
‒ Preciso que o senhor escreva uma carta. Uma carta de amor.
‒ Eu?
‒ Me disseram que o senhor sabe.
Enrique não era especialista, mas encheu o peito.
O pedreiro esclareceu que não era analfabeto:
‒ Eu sei escrever. Mas uma carta assim, não sei.
‒ E para quem é a carta?
‒ Para... ela.
‒ E o que você quer lhe dizer?
‒ Se eu soubesse, não lhe pediria.
Enrique coçou a cabeça.
À noite, pôs mãos à obra.
No dia seguinte, o pedreiro leu a carta:
‒ Perfeito ‒ disse, com os olhos brilhantes. ‒ Era isso. Mas eu não sabia que era isso o que eu queria dizer.
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* Cali: cidade da Colômbia
Os amigos
Uma comprida mesa de amigos, no restaurante Plataforma, era o refúgio de Tom Jobim contra o sol do meio-dia e o tumulto das ruas do Rio de Janeiro.
Naquele meio-dia, Tom sentou-se à parte. Num canto, ficou a beber cerveja com Zé Fernando. Com ele dividia o chapéu de palha, que usavam alternadamente, num dia um, no dia seguinte o outro, e dividia também outras coisas mais.
‒ Não ‒ disse Tom, quando alguém se aproximou. ‒ Estou no meio de uma conversa muito importante.
E quando veio outro amigo:
‒ Me desculpa, mas temos muito o que falar.
E a outro:
‒ Perdão, mas estamos discutindo um assunto grave.
Naquele canto à parte, Tom e Zé Fernando não disseram uma só palavra. Zé Fernando estava num dia bem fodido, um daqueles dias que deveriam ser arrancados da folhinha e expulsos da memória, e Tom o acompanhava calando cervejas. Assim estiveram, música do silêncio, do meio-dia ao fim da tarde.
Já não havia ninguém no restaurante quando os dois foram embora, andando bem devagarinho.
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Textos da revistas BUNDAS,
de novembro de 1999 e janeiro de 2000.
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