domingo, 18 de dezembro de 2022

Textos de Eduardo Galeano

 Para a cátedra de Literatura

Enrique Buenaventura estava bebendo rum numa bodega de Cali* quando um desconhecido se aproximou da mesa. O homem se apresentou, era pedreiro, às suas ordens, para servi-lo. 

‒ Preciso que o senhor escreva uma carta. Uma carta de amor. 

‒ Eu? 

‒ Me disseram que o senhor sabe. 

Enrique não era especialista, mas encheu o peito. 

O pedreiro esclareceu que não era analfabeto: 

‒ Eu sei escrever. Mas uma carta assim, não sei. 

‒ E para quem é a carta? 

‒ Para... ela. 

‒ E o que você quer lhe dizer? 

‒ Se eu soubesse, não lhe pediria. 

Enrique coçou a cabeça. 

À noite, pôs mãos à obra. 

No dia seguinte, o pedreiro leu a carta: 

‒ Perfeito ‒ disse, com os olhos brilhantes. ‒ Era isso. Mas eu não sabia que era isso o que eu queria dizer. 

******* 

* Cali: cidade da Colômbia


Os amigos

Uma comprida mesa de amigos, no restaurante Plataforma, era o refúgio de Tom Jobim contra o sol do meio-dia e o tumulto das ruas do Rio de Janeiro

Naquele meio-dia, Tom sentou-se à parte. Num canto, ficou a beber cerveja com Zé Fernando. Com ele dividia o chapéu de palha, que usavam alternadamente, num dia um, no dia seguinte o outro, e dividia também outras coisas mais. 

‒ Não ‒ disse Tom, quando alguém se aproximou. ‒ Estou no meio de uma conversa muito importante. 

E quando veio outro amigo: 

‒ Me desculpa, mas temos muito o que falar. 

E a outro: 

Perdão, mas estamos discutindo um assunto grave. 

Naquele canto à parte, Tom e Zé Fernando não disseram uma só palavra. Zé Fernando estava num dia bem fodido, um daqueles dias que deveriam ser arrancados da folhinha e expulsos da memória, e Tom o acompanhava calando cervejas. Assim estiveram, música do silêncio, do meio-dia ao fim da tarde. 

Já não havia ninguém no restaurante quando os dois foram embora, andando bem devagarinho. 

*******

Textos da revistas BUNDAS,

de novembro de 1999 e janeiro de 2000.


Eduardo Hughes Galeano (Montevideú, 3 de setembro de 1940 – Montevidéu, 13 de abril de 2015) foi um jornalista e escritor uruguaio.  É autor de mais de 40 livros, que já foram traduzidos em diversos idiomas. Suas obras transcendem gêneros ortodoxos, combinando ficção, jornalismo, análise política e História. Galeano é considerado um dos principais expoentes do Antiamericanismo e Anticapitalismo na América Latina no Século XX. 

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