sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

Se eu quiser falar com Deus

 Letra e música de Gilberto Gil

Se eu quiser falar com Deus,

Tenho que ficar a sós,
Tenho que apagar a luz,
Tenho que calar a voz,
Tenho que encontrar a paz,
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata,
Dos desejos, dos receios,
Tenho que esquecer a data,
Tenho que perder a conta,
Tenho que ter mãos vazias,
Ter a alma e o corpo nus.
 

Se eu quiser falar com Deus,
Tenho que aceitar a dor,
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou.

Tenho que virar um cão,
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho.
Tenho que me ver tristonho,
Tenho que me achar medonho
E, apesar de um mal tamanho,
Alegrar meu coração.
 

Se eu quiser falar com Deus,
Tenho que me aventurar,
Tenho que subir aos céus,
Sem cordas pra segurar.
Tenho que dizer adeus,
Dar as costas, caminhar,
Decidido, pela estrada
Que ao findar, vai dar em nada,
Nada, nada, nada, nada,
Nada, nada, nada, nada,
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar...
 

(...) 

Se eu quiser falar com Deus nos aproxima do chão. Nos coloca diante de nossas fraquezas. É uma aula sobre a nossa precariedade existencial e a nossa estúpida soberba. Para se aproximar de Deus, é preciso estar reduzido a nada, diz a letra. É preciso baixar a guarda, ter as mãos vazias de orgulho. É assim que nos encontramos com Ele. 

Se você quiser falar com Deus, a canção de Gil nos aponta o caminho. Deus não está no discurso de ódio. Nunca esteve. Me pergunto que país é esse em que nos metemos que estimula a violência e não o diálogo? Que tipo de relação com o outro estabelecemos e que mediada pela necessidade de aniquilação? 

(...) Viva Gilberto Gil. 

(Parte de uma crônica de Jéferson Tenório, em Zero Hora,

Dezembro de 2022)

Nenhum comentário:

Postar um comentário