quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Era uma vez uma choupana

 

A história do casamento de Maria Benedita é curta; e, posto Sofia a ache vulgar, vale a pena dizê-la. Fique desde já admitido que, se não fosse a epidemia das Alagoas, talvez não chegasse a haver casamento; donde se conclui que as catástrofes são úteis, e até necessárias. Sobejam exemplos; mas basta um contozinho que ouvi em criança, e que aqui lhes dou em duas linhas. Era uma vez uma choupana que ardia na estrada; a dona, ‒ um triste molambo de mulher, ‒ chorava o seu desastre, a poucos passos, sentada no chão. 

Senão quando, indo a passar um homem ébrio, viu o incêndio, viu a mulher, perguntou-lhe se a casa era dela. 

‒ É minha, sim, meu senhor: é tudo o que eu possuía neste mundo. 

‒ Dá-me então licença que acenda ali o meu charuto? 

O padre que me contou isto certamente emendou o texto original; não é preciso estar embriagado para acender um charuto nas misérias alheias. Bom padre Chagas! ‒ Chamava-se Chagas. ‒ Padre mais que bom, que assim me incutiste por muitos anos essa ideia consoladora, de que ninguém, em seu juízo, faz render o mal dos outros; não contando o respeito que aquele bêbado tinha ao princípio da propriedade, ‒ a ponto de não acender o charuto sem pedir licença à dona das ruínas. Tudo ideias consoladoras. Bom padre Chagas! 

(Texto do livro “Quincas Borba”, de Machado de Assis)

 

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