quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Uma lenda urbana de Porto Alegre

 A moça que dançou depois de morta 

Paulo César Teixeira

(interino)

Histórias de assombração fazem parte do imaginário da maior parte dos lugares. No caso de Porto Alegre, não é diferente. Existem inúmeras lendas que rondam ruas e becos da Capital. Uma delas conta a história de um rapaz que, em uma noite de sábado, foi a um baile no bairro Glória.  

Naquela noite, ele conheceu uma linda moça, que estava toda vestida de branco. A beleza da jovem, porém, contrastava com o véu de tristeza que lhe cobria o rosto. O rapaz se aproximou e indagou qual era o motivo de tamanho desapontamento, mas ela pouco lhe deu atenção, o que o deixou ainda mais intrigado. Foi quando ele criou coragem e a convidou para dançar. 

O casal bailou pelo salão por um bom tempo, até que, pouco antes da meia-noite, ela lhe disse, ao pé do ouvido, que precisava voltar, imediatamente, para casa. O moço até sorriu e, cá com seus botões, pensou que, talvez, estivesse vivendo um flerte com uma verdadeira Cinderela, prestes a perder o encantamento com o soar das 12 badaladas do relógio. Muito prestativo que era, logo se ofereceu para acompanhá-la, mesmo porque era perigoso andar pelas ruas da cidade em horário tão avançado da noite. 

Já na calçada, o ar frio fez o corpo dela estremecer, o que motivou o jovem a abraçá-la e, ato contínuo, oferecer-lhe a capa que trazia consigo para continuar a caminhada. Os dois jovens enamorados desceram a Avenida Oscar Pereira e passaram defronte ao Cemitério da Santa Casa, na direção do centro da cidade, até chegarem diante da residência dela, algumas quadras abaixo. 

– Eu moro aqui – disse ela. 

A moça fez menção de devolver-lhe o casaco, mas o rapaz recusou-se a recebê-lo de volta. Não apenas por uma questão de gentileza, mas também porque, com isso, teria uma boa desculpa para voltar a vê-la. Assim, combinaram que ele retornaria ao meio-dia de domingo para recuperar as vestes. E assim foi feito. Ele reapareceu no dia seguinte e bateu à porta, já esperando ser convidado para almoçar e, a partir disso, quem sabe iniciar o namoro. Mas quem surgiu na soleira foi um senhor já de idade, com ar tão melancólico quanto o da jovem. 

– O senhor é o pai da moça que mora aqui?  

– Aqui não mora nenhuma moça – respondeu o ancião. 

– Mora, sim. Estive com ela ontem à noite. Emprestei-lhe minha capa, porque estava frio, e fiquei de voltar hoje para pegá-la de volta. 

– O senhor deve estar enganado. Talvez seja em outra casa – insistiu o senhor. 

Nisso, o rapaz avistou, pela porta entreaberta, o retrato da moça com quem estivera na noite passada. Estava pendurado na parede da sala. O dono da casa explicou: 

– Aquela é minha filha, que morreu faz um ano!  

Para confirmar o que acabara de dizer, o senhor subiu com o rapaz a lomba do cemitério, onde ambos encontraram a capa alojada sobre o túmulo da moça. 

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Esta e outras histórias de arrepiar (como As Torres Malditas, Lágrimas de Obirici, Crimes da Rua do Arvoredo e Maria Degolada) fazem parte da exposição Patrimônio Imaterial: as Lendas Urbanas de Porto Alegre, em cartaz no Museu Joaquim Felizardo (Rua João Alfredo, 582, na Cidade Baixa). Elas foram recolhidas, em 2014, pela pesquisadora Marli Rejani D’Ávila Pereira, que elaborou um inventário com o registro das lendas tradicionais de Porto Alegre.

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(Do Almanaque Gaúcho do jornal Zero Hora, janeiro de 2024)

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