domingo, 21 de janeiro de 2024

Habeas Pinho

 

Em 1955, em Campina Grande, na Paraíba, um grupo de boêmios fazia serenata numa madrugada do mês de junho, quando chegou a polícia e apreendeu o violão. Decepcionado, o grupo recorreu aos serviços do advogado Ronaldo Cunha Lima, então recentemente saído da Faculdade e que também apreciava uma boa seresta. Ele peticionou em Juízo, para que fosse liberado o violão. Aquele pedido ficou conhecido como “Habeas Pinho” e enfeita as paredes de escritórios de muitos advogados e bares de praias no Nordeste. 

Mais tarde, Ronaldo Cunha Lima foi eleito Deputado Estadual, Prefeito de Campina Grande, Senador da República, Governador do Estado e Deputado Federal. 

Eis a famosa petição. 

HABEAS PINHO 

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca: 


O instrumento do crime que se arrola,

Neste processo de contravenção,

Não é faca, revólver nem pistola.

É simplesmente, doutor, um violão.


Um violão, doutor, que na verdade

Não matou nem feriu um cidadão.

Feriu, sim, a sensibilidade

De quem o ouviu vibrar na solidão.

 

O violão é sempre uma ternura,

Instrumento de amor e de saudade.

Ao crime ele nunca se mistura.

Inexiste entre eles afinidade.

 

O violão é próprio dos cantores,

Dos menestréis de alma enternecida

Que cantam as mágoas e que povoam a vida

Sufocando suas próprias dores.

 

O violão é música e é canção,

É sentimento de vida e alegria,

É pureza e néctar que extasia,

É adorno espiritual do coração.

 

Seu viver, como o nosso, é transitório,

Porém seu destino se perpetua.

Ele nasceu para cantar na rua

E não para ser arquivo de Cartório.

 

Mande soltá-lo pelo Amor da noite

Que se sente vazia em suas horas,

Para que volte a sentir o terno açoite

De suas cordas leves e sonoras.

 

Libere o violão, Doutor Juiz,

Em nome da Justiça e do Direito.

É crime, porventura, o infeliz,

cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

 

Será crime, e afinal, será pecado,

Será delito de tão vis horrores,

perambular na rua um desgraçado

derramando na rua as suas dores?

 

É o apelo que aqui lhe dirigimos,

Na certeza do seu acolhimento.

Juntando esta petição aos autos nós pedimos

e pedimos também DEFERIMENTO. 

 

Ronaldo Cunha Lima, advogado. 

O juiz Arthur Moura, sem perder o ponto, deu a sentença no mesmo tom:

 

 

 

Para que eu não carregue

Muito remorso no coração,

Determino que seja entregue,

Ao seu dono, o malfadado violão!

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