quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Histórias do Professor Jânio Quadros



Þ Jânio estava hospedado na casa do deputado Murilo Costa Rego, no Recife, na campanha para presidente da República. Acordou com sede:
- Murilo, tu podes providenciar-me um uísque?
Murilo providenciou. Quando o garçom chega com a garrafa está entrando na sala uma comissão de prefeitos pernambucanos. Jânio não se perturba:
- Eu disse leite, Murilo. Lei-te.
Veio “lei-te”. E ele o bebeu.

§ § §

Þ Em Fortaleza, na casa do deputado Jorge Furtado Leite, Jânio descansava na rede. Furtado Leite tentava convencê-lo a receber uma comissão de juízes.
- Não os recebo, Juiz é magistrado, não faz política. Nada tenho a prometer-lhes e nada têm eles a dar-me.
Olha em volta, está cercado de juízes. Levanta-se rápido:
- Juízes de minha terra que também o fui!...
E longamente conversou com eles.

§ § §

Þ Em 43, um estudante magricela de olho esbugalhado saía do escritório do advogado Vicente Rao, ex-ministro da Justiça de Getúlio Vargas. Na porta, encontra-se com um senhor magro e moreno que chegava. Apresentados, começaram a conversar e foram até a sala de Vicente Rao. O senhor magro e moreno pediu para ver a mão do estudante magricela de olho esbugalhado:
- O que é que você faz?
- Estudo Direito e ensino Português.
- Você vai ser político. Vereador, deputado, prefeito, governador, presidente da República, em pouco tempo. Sai da presidência e a ela volta depois para ser assassinado.
O estudante magricela e olho esbugalhado chamava-se Jânio Quadros. O senhor magro e moreno, Sana Khan.

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Þ Eleito governador de São Paulo, Jânio foi procurado pelos deputados Wilson Rahal e Germinal Feijó, que se haviam empenhado inteiramente em sua campanha. Levavam reivindicações políticas.
- Meus queridos Wilson e Germinal. Os senhores estão muito enganados. Elegeram-se e eu me elegi. Estamos quites.
E bateu a porta.

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Þ Jantar de aniversário de Quintanilha Ribeiro, também na década de 70, na casa dele, em São Paulo, pouco antes de morrer. Jânio saiu, já tarde, com Oscar Pedroso Horta. Continuamos conversando: Quintanilha, José Aparecido, eu, um grupo. Perguntei a Quintanilha pela renúncia. Aparecido não gostou:
- Sebastião, sobre a renúncia fala o presidente. O Nery tem um computador na cabeça, vai gravar tudo e publicar.
- Ora, Aparecido, é hora de nós, os amigos de Jânio, pararmos com essa besteira. Não podemos deixar que o Jânio entre na História do Brasil como um fujão, quando sabemos que o que ele foi mesmo foi um conspirador de merda.

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Þ Júlio César Toledo Piza, como sempre fazia, foi visitar Jânio na sua casa, em Santo Amaro, na Capital. Os jornais falavam naquele dia das comemorações de mais um aniversário do “Movimento de 31 de Março”, na semana próxima. Júlio César puxa o assunto da “Revolução”, Jânio fica em silêncio, pensando:
- Pois é, meu caro, cassaram-me, puniram-me, confinaram-me, marginalizaram-me. Por quê? Por que, se fizeram em março de 1964 exatamente o que eu quis fazer em agosto de 1961?
Julinho entendeu tudo.

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Þ O ministro chegou para despacho. Tirou o primeiro processo, Jânio leu, releu, tirou os óculos:
   - Ministro, o senhor é alfaiate?
   - Não, presidente. Por quê?
   - Toda vez que o senhor vem aqui fica querendo dar uma tesourada em minha toga.

§ § §

Þ No natal de 87, o governador Fernando Collor, de Alagoas, voltava da China, desceu em Roma. O embaixador Carlos Alberto Leite Barbosa o convidou para um jantar. Jânio passava por Roma, a caminho da Turquia, Carlos Alberto o convidou também.
Quando Jânio chegou à magnífica embaixada da Plaza Navona, Collor já estava lá. Jânio entrou com passos largos e um casacão preto pesado. Abriu os braços para Collor, escandindo as sílabas:
- Meu caro governador, que bom este encontro. Fiquei feliz.
- Eu também, presidente,. Não sabia que estava por aqui.
 - De passagem, governador. A caminho de Istambul. Gosto muito do mundo árabe. É um dos nossos passados. Estou lendo nos jornais, que me chegam do Brasil, que é candidato a presidente da República no próximo ano.
- Ainda não sei, presidente. É uma idéia de alguns amigos.
- Governador, parece-me muito jovem para presidente, aos 40 anos.
- A mesma idade com que o senhor foi presidente.
- E deu no que deu, meu caro! Deu no que deu!!!

§ § §

Þ Presidente, Jânio foi a Mato Grosso, sua terra, no dia 25 de fevereiro de 61. Mandou chamar o chefe regional do DNER, engenheiro José Azevedo, irmão do deputado Vasco Azevedo Neto, da Bahia:
- Quero uma estrada até Guaporé. O senhor tem seis meses para construí-la. No dia exato, daqui a seis meses espero um telegrama comunicando-me o cumprimento do dever.
O engenheiro empurrou a estrada a toque de caixa. No dia 25 de agosto, chegava a Guaporé. Ligou o rádio, anunciava-se a renúncia de Jânio. José Azevedo foi ao telégrafo:
“Presidente Jânio Quadros, Brasília:
Cheguei hoje às margens do rio Guaporé.
Eu cumpri o meu dever.”
a) José Azevedo, chefe do DNER-Mato Grosso.
Jânio entendeu.


(Do livro “Folclore Político” – 1950 histórias,
de Sebastião Nery – Geração Editorial)

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